Quase um mês depois, Carlos (nome fictício) ainda não voltou a morar no apartamento onde foi agredido e roubado por um homem com quem acreditava que teria um encontro. Em uma ação que durou pouco mais de uma hora, ele conta ter sido amarrado, agredido e ameaçado de morte, além de ter cerca de R$ 1 mil roubados. O caso aconteceu em 19 de setembro, em Porto Alegre.
Carlos foi mais uma das vítimas de um grupo que estaria marcando encontros por meio de um aplicativo de relacionamento direcionado para a comunidade LGBT+, o Grindr, para realizar assaltos a residências. Quatro casos são investigados pela Polícia Civil na Capital.
Segundo Carlos, ele trocou mensagens com um homem por cerca de três dias até que o encontro foi marcado em seu apartamento. O homem chegou ao local de boné e máscara (as usadas durante a pandemia). Minutos após entrar na casa, o criminoso anunciou o assalto e sacou uma arma. Carlos afirma que começou a ser amarrado e agredido, mesmo sem ter reagido a abordagem. Ele também recebeu mordidas, além de xingamentos homofóbicos.
— Ele me ameaçava de morte a todo momento. Tentei acalmá-lo porque realmente achei que ele fosse me dar um tiro. Ficou irritado porque não achava objetos de valor pela casa, até que pegou meu celular e começou a fazer transferências.
Foram feitas duas transferências, de cerca de R$ 500 cada, o limite que o aplicativo permitiu naquele horário. Para fazer o Pix, o criminoso soltou as mãos da vítima.
Segundo Carlos, durante a ação, o criminoso se comunicava por telefone com um comparsa. A dupla passou a combinar de passar a noite no local, até a manhã seguinte. O objetivo seria esperar a chegada de um amigo da vítima, que também mora no apartamento, para roubá-lo.
— Depois, no telefone, ele começou a falar sobre usar querosene. Eu entendi que queriam colocar fogo em mim e no meu amigo, no apartamento, para encobrir o roubo. Realmente pensei que seria morto. Foi quando entrei em luta com ele, aproveitei que tinha soltado minhas mãos. Comecei a gritar por socorro, a tentar pegar a arma dele e jogar pela janela. Então ele realmente começou a tentar me matar: me asfixiava, me mordia, tentou furar meu olho. Quando eu consegui pegar a arma e jogar para fora do quarto, ele se desesperou e fugiu.
Carlos relata que pediu ajuda a uma vizinha, que chamou a polícia. A vítima foi encaminhada ao hospital, onde recebeu atendimento e fez exames, como uma tomografia. A arma, que era falsa, foi recolhida pela polícia e encaminhada a perícia.
Além da perda material, Carlos conta que a violência da ação o impede de retomar a rotina na casa. Ele prepara a mudança para outro endereço.
— É um lugar que perdeu o sentido de casa para mim, que vai ficar marcado como local de violência, de invasão de privacidade, onde quase perdi minha vida, não tem mais como chamar de casa. Felizmente, tenho uma boa rede de apoio, mas fica um trauma grande. Sinto que confio menos nas pessoas, fico muito alerta na rua. É uma sensação eterna de medo. Ainda mais pelo fato de que já se passou um mês e eles não foram pegos e seguem fazendo isso com outras pessoas.
A vítima conta que decidiu procurar a polícia e expor o caso para alertar outras pessoas. Ele afirma que usa o aplicativo há anos e nunca havia passado por algo do tipo.
Advogado que representa duas vítimas da ação, Diego Machado Candido, especialista em Direito LGBT+, afirmou que acredita que existam mais pessoas que sofreram o roubo do grupo e ainda não procuraram a polícia:
— Estamos acompanhando os casos e aguardando resultados de perícias e requisição de informações. Estamos empenhados em solucionar esses crimes com a maior brevidade possível, até porque temos conhecimento da existência de outras vítimas que ainda não fizeram a denúncia.
Investigação em andamento
A Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância da Capital investiga quatro casos que chegaram ao conhecimento das equipes até agora. A delegada Andrea Mattos também acredita que existam mais vítimas que ainda não contataram as equipes, por receio ou vergonha.
Os quatro casos registrados até agora foram cometidos contra homens, em Porto Alegre. Apenas Carlos foi roubado por um criminoso que agiu sozinho: nos outros três o assalto foi cometido em dupla. Nas outras situações apuradas, os ladrões levaram valores ainda mais altos, de cerca de R$ 10 mil de cada vítima, além de eletrônicos das casas.
Ao menos duas vítimas relataram ter recebido xingamentos em relação a orientação sexual durante o roubo. Então acredito que a questão do assalto também está aliada a do preconceito.
ANDREA MATTOS
Delegada
A polícia apura a identidade dos criminosos e afirma que há mais pessoas envolvidas na ação além dos dois homens que cometem o roubo. Andrea acredita que o grupo tenha como alvo a comunidade LGBT+:
— Além do ganho patrimonial, há a violência psicológica e física. Acredito que tenha uma questão homofóbica mesmo, além de tudo. Ao menos duas vítimas relataram ter recebido xingamentos em relação a orientação sexual durante o roubo. Então acredito que a questão do assalto também está aliada a do preconceito.
A delegada afirma que solicitou informações sobre os criminosos ao aplicativo Grindr. A empresa respondeu que a plataforma pode ser usada de forma anônima e que não faz a verificação das informações fornecidas pelos usuários. Até o momento, nenhuma informação foi repassada pela empresa aos investigadores, segundo a polícia. A delegacia também solicitou informações a empresas de aplicativo de transporte.
GZH tenta contato com o Grindr desde o dia 10, mas não obteve retorno.