A delegada da Polícia Civil de Arroio do Tigre, Graciela Foresti Chagas, instaurou mais 27 inquéritos para investigar João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito, 31 anos. Assim, chega a 40 o número de inquéritos para apuração de possíveis crimes praticados por ele, como falsidade ideológica, plágio e falsificação de documento.
João Riél tem títulos contestados e já se passou por desembargador para se reunir com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
Dois inquéritos já foram remetidos ao Judiciário com indiciamento pelo crime de plágio — há provas de que ele copiou trechos de obras e incluiu-os em publicações como se fossem seus. Há outro que apura a falsificação e o uso de documento no qual ele se identifica como aluno de pós-doutorado em uma universidade da Itália. Além desses, há outros 10 inquéritos referentes a processos que ele teria ajuizado e que Polícia Civil está averiguando alegações fraudulentas e falsificações de assinaturas de pessoas que desconheciam até mesmo a propositura das ações.
Os últimos 27 inquéritos, segundo a delegada Graciela, foram instaurados porque advogados da região estranharam o grande número de ações judiciais em seus nomes. Eram processos nos quais eles estariam atuando junto com João Riél, que já foi estagiário de Direito, mas que não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os advogados prestaram depoimento e disseram que tiveram suas assinaturas falsificadas nessas ações.
— E ao verificarem, foram surpreendidos pela falsificação das assinaturas — conta a delegada.
O que se sabe sobre João Riél
Natural de Tunas, no Vale do Rio Pardo, João Riél diz ter escrito mais de 30 livros, ser coautor de mais de 200 antologias, ser advogado, ter mestrado, doutorado e pós-doutorado na área do Direito. Sustenta que atuou como juiz leigo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Em seu site, constam fotos com autoridades da política e do Direito, como o presidente da República, Jair Bolsonaro, o vice, Hamilton Mourão, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para se encontrar como Mourão, por exemplo, ele se passou por "desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul".
Em 26 de outubro de 2019, ele chegou a participar do quadro Quem Quer Ser um Milionário do programa Caldeirão do Huck. Na oportunidade, o apresentador da Globo Luciano Huck chegou a chamar o jovem de "filho do Gugu", pela semelhança com o apresentador de televisão Gugu Liberato, que morreu em 2019. Ele decidiu parar no jogo quando não conseguiu responder à seguinte pergunta: "Qual desses países desistiu de sediar a Copa do Mundo de 1986, que acabou sendo realizada no México?". As alternativas eram Colômbia, Brasil, Canadá e Peru. Ele não respondeu Colômbia, que era a alternativa correta, e desistiu, levando R$ 15 mil.
No dia seguinte, em 27 de outubro de 2019, o site Metrópoles revelou que João Riél havia se passado por desembargador para se encontrar com Mourão, que não era advogado como dizia ser e que ele respondia, na oportunidade, a um processo na comarca de Arroio do Tigre movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) por falsidade ideológica e exercício ilegal da advocacia, por supostamente ter usado o registro na OAB de uma outra pessoa, que atualmente é juíza, para ingressar com processo judicial.
Procurado, o MP-RS informou que o processo acabou arquivado. "Em 4 de setembro de 2015, o Ministério Público em Arroio do Tigre denunciou João Riel Manoel Hibner Nunes Vieira Teles de Oliveira Brito por exercício irregular da advocacia e falsidade ideológica. Porém, na sentença publicada em 6 de abril de 2022, a Justiça considerou prescrito o crime de exercício irregular da advocacia e o absolveu, por falta de provas, do crime de falsidade ideológica", informou o MP-RS em nota enviada a GZH.
Conforme a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio Grande do Sul, João Riél nunca constou nos registros da entidade como advogado, apenas como estagiário durante um período. De acordo com o TJ-RS, ele foi juiz leigo voluntário no "5º JEC - Posto Escola AJURIS de 14/03/2019 até 14/09/2019 e de 15/09/2019 até 14/11/2019". Segundo a corte, no entanto, ele não é, nem nunca foi desembargador. Conforme a assessoria da Justiça Federal, ao consultar o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon), verificou-se que ele realizou a formação teórica EAD para conciliador, promovida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mas não concluiu o processo inteiro.
"Depois disso, é necessário realizar 60h de formação prática como co-conciliador (seria o equivalente a uma prática de estágio). Ele compareceu em algumas sessões no Cejuscon de Porto Alegre (somente como assistente, sempre com um conciliador mais experiente a frente), mas parou de comparecer e não completou as 60h práticas necessárias para obter a qualificação de Conciliador da Justiça Federal", diz a nota ao complementar que não existe juiz leigo na Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
Entidades das quais ele diz ser membro, como Instituto Cultural Português, Academia de Letras do Brasil Seção Rio Grande do Sul e a Confraria Internacional de Literatura de Artes, por exemplo, anunciaram o afastamento de João Riél até o esclarecimento dos fatos.
O que diz João Riél
GZH entrou em contato com João Riél, que enviou uma nota de seus advogados Délio Spalding de Almeida Wedy, Miguel Tedesco Wedy e Maria Eduarda Vier Kleinque. Veja o que diz o texto:
"A defesa de João Riél não teve acesso ainda ao conteúdo integral das investigações. Porém, as imputações feitas até aqui procuram reapreciar questões que já foram resolvidas pela justiça e arquivadas, com o reconhecimento de sua inocência. Trata-se também de uma nítida tentativa de atacar a sua honra, com o propósito de abalar a sua credibilidade e reputação no meio social. No momento oportuno serão buscadas as devidas reparações na esfera cível, bem como as adequadas responsabilizações no âmbito criminal".