Ele é visto com frequência em eventos sociais de Porto Alegre. Onde tem uma cerimônia com autoridade ou com figuras públicas, ele está lá para fazer uma foto. Natural de Tunas, no Vale do Rio Pardo, João Riél Manuel Hubner Nunes Vieira Telles de Oliveira Brito, 31 anos, diz ter escrito mais de 30 livros, ser coautor de mais de 200 antologias, ser advogado, ter mestrado, doutorado e pós-doutorado na área do Direito. Sustenta que atuou como juiz leigo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e na Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
Em seu site, constam fotos com autoridades da política e do Direito, como o presidente da República, Jair Bolsonaro, o vice, Hamilton Mourão, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para se encontrar com Mourão, por exemplo, ele se passou por "desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul". A informação consta na agenda oficial de Mourão consultada por GZH.
Em 26 de outubro de 2019, ele chegou a participar do quadro Quem quer ser um milionário do programa Caldeirão do Huck. Na oportunidade, o apresentador Luciano Huck chegou a chamar o jovem de "Filho do Gugu", pela semelhança com o ex-apresentador de televisão Gugu Liberato. Ele decidiu parar no jogo quando não conseguiu responder a seguinte pergunta: "Qual desses países desistiu de sediar a Copa do Mundo de 1986, que acabou sendo realizada no México?". As alternativas eram Colômbia, Brasil, Canadá e Peru. Ele não respondeu Colômbia, que era a alternativa correta, e desistiu, levando R$ 15 mil.
No dia seguinte, em 27 de outubro de 2019, o site Metrópoles revelou que João Riél havia se passado por desembargador para se encontrar com Mourão, que não era advogado como dizia ser e que ele respondia, na oportunidade, a um processo na comarca de Arroio do Tigre movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) por falsidade ideológica e exercício ilegal da advocacia, por supostamente ter usado o registro na OAB de uma outra pessoa, que atualmente é juíza, para ingressar com processo judicial. Procurado, o MP-RS informou que o processo acabou arquivado.
"Em 4 de setembro de 2015, o Ministério Público em Arroio do Tigre denunciou João Riél Manoel Hibner Nunes Vieira Teles de Oliveira Brito por exercício irregular da advocacia e falsidade ideológica. Porém, na sentença publicada em 6 de abril de 2022, a Justiça considerou prescrito o crime de exercício irregular da advocacia e o absolveu, por falta de provas, do crime de falsidade ideológica", informou o MP-RS em nota enviada a GZH.
O caso veio novamente à tona após série de postagens no Twitter do advogado Francisco Campis, que é natural de Santa Cruz do Sul e que se sentiu indignado com as versões contadas por João Riél.
— Resolvi fazer esse alerta para a comunidade acadêmica e para a comunidade em geral. Porque se ele tenta se aproximar de um público como o de professores com doutorado, imagina o que ele pode fazer com pessoas mais humildes — destacou Campis.
Indiciamento por plágio
De lá para cá, 10 inquéritos foram instaurados na delegacia da Polícia Civil de Arroio do Tigre para investigar crimes de falsidade ideológica, uso de documento falso e exercício irregular da advocacia. Além desses casos, recentemente ele foi indiciado pela delegada Graciela Foresti Chagas em outros dois inquéritos, desta vez por plágio, sendo que mais um está sendo instaurado. Conforme as investigações, ele usou trechos de livros de outros autores em obras publicadas como se fossem seus.
— Na semana passada, concluímos inquérito de plágio que diz respeito à obra que, em tese, ele teria apresentado como conclusão do pós-doutorado na Itália. É um livro que foi publicado com essa tese e que nós identificamos que se tratava de uma obra plagiada de diversos autores. Localizamos no Paraná os professores universitários e conseguimos a oitiva de um deles, um da PUC, em Toledo, que confirmou que não conhecia o João Riél, que nunca autorizou ele a plagiar a obra dele. Obviamente nós comprovamos a materialidade do plágio — destaca a delegada, ao explicar que a obra desse autor é anterior à publicação de João Riél.
Conforme a delegada, João Riél foi chamado para depor e indicou um endereço de Porto Alegre para intimação. No entanto, seu advogado teria se habilitado nas investigações fornecendo um endereço de Tunas, que é a sua cidade natal.
— Percebemos que, em todas as investigações, ele acaba de maneira protelatória não comparecendo, fazendo as mais variadas alegações para não comparecer. Ele sabe que pode acabar se beneficiando com a prescrição, como ocorreu pelo uso indevido da OAB — ressalta a delegada.
Ainda segundo Graciela, documentos apreendidos anos atrás durante cumprimento de mandado de busca e apreensão foram analisados novamente. Entre eles, está um que diz que ele foi aluno de pós-doutorado de uma universidade italiana, por meio de uma instituição brasileira, em 2017.
— Ao mesmo tempo verificamos que havia um diploma dentro das apreensões que datava de 2018 informando o título de mestre. Ou seja, seria totalmente impossível que em 2017 ele fosse aluno de pós-doutorado, se ele, em 2018, supostamente teria alcançado o título de mestre. Porque é pressuposto para o pós-doutoramento a titulação de doutor — explica a delegada.
Verificamos que havia um diploma dentro das apreensões que datava de 2018 informando o título de mestre. Ou seja, seria totalmente impossível que em 2017 ele fosse aluno de pós-doutorado, se ele, em 2018, supostamente teria alcançado o título de mestre.
GRACIELA FORESTI CHAGAS
Delegada
Graciela diz que essa universidade brasileira citada por João Riél em seu currículo, que teria feito a ponte para o pós-doutorado na Itália, foi extinta em 2015, ou seja, antes do ano que ele diz ter começado o curso.
Ela afirma que um inquérito foi instaurado para verificar a falsidade dos documentos e a falsidade ideológica, já que João Riél segue dizendo que é pós-doutor.
Suspeita de fraude no INSS
Nos inquéritos que investigam o uso da OAB de outra pessoa, a Polícia Civil também vai verificar outras suspeitas de crimes. São ações contra o INSS pedindo aumento de benefícios ou reajuste dos auxílios por pessoas supostamente incapacitadas.
— É uma tentativa de fraudar o INSS. Verificamos no curso da investigação que a maioria das pessoas não estava nessa condição de incapacidade. Algumas dessas pessoas foram chamadas para depor e disseram que nunca assinaram o documento de procuração em nome de João Riél. Numa primeira análise verificamos que as assinaturas são muito diferentes. Vamos encaminhar esses documentos para o Instituto-Geral de Perícias (IGP) para análise — destaca a delegada.
Conforme a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio Grande do Sul, João Riél nunca constou nos registros da entidade como advogado, apenas como estagiário durante um período.
De acordo com o Tribunal de Justiça do RS, ele foi juiz leigo voluntário no "5º JEC - Posto Escola AJURIS de 14/03/2019 até 14/09/2019 e de 15/09/2019 até 14/11/2019". Segundo a corte, no entanto, ele não é, nem nunca foi desembargador. Conforme a assessoria da Justiça Federal, ao consultar o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon), verificou-se que ele realizou a formação teórica EAD para conciliador, promovida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mas não concluiu o processo inteiro.
"Depois disso, é necessário realizar 60 horas de formação prática como co-conciliador (seria o equivalente a uma prática de estágio). Ele compareceu em algumas sessões no Cejuscon de Porto Alegre (somente como assistente, sempre com um conciliador mais experiente a frente), mas parou de comparecer e não completou as 60 horas práticas necessárias para obter a qualificação de Conciliador da Justiça Federal", diz a nota, que complementa explicando que não existe juiz leigo na Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
GZH enviou e-mails para as universidades de Messina, na Itália, onde ele diz ter pós-doutorado, e para a Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, onde ele diz ter mestrado e doutorado, e não teve retorno.
Entidades das quais ele é membro, como o Instituto Cultural Português, a Academia de Letras do Brasil Seção Rio Grande do Sul e a a Confraria Internacional de Literatura de Artes, por exemplo, anunciaram o afastamento de João Riél até o esclarecimento dos fatos.
Contraponto
A reportagem de GZH entrou em contato com João Riél, que disse que iria se reunir com seus advogados e que se manifestaria mais tarde. Ele publicou a seguinte nota em seu site:
"Mais uma vez, minha imagem, e até da minha família, é atingida, deturpando fatos. Criam inverdades sobre fatos antigos e atuais, sobre minha trajetória pessoal e acadêmica, com a nítida intenção de abalar minha honra junto à sociedade, amigos e familiares. Ainda não tenho conhecimento de tudo que me acusam. Já tentaram isso no passado, mas nada conseguiram, pois fui inocentado em tudo de que me acusaram. Reitero, mais uma vez, a credibilidade dos meus títulos acadêmicos, minhas obras jurídicas e literárias. Quem me conhece sabe da minha reputação e de todo o trabalho que já fiz, faço e continuarei a fazer, em prol da cultura, da educação e do conhecimento".