No fim do mês de maio, um crime chocou moradores de Igrejinha, município do Vale do Paranhana. Uma mulher de 78 anos foi encontrada assassinada, com sinais de agressão. Quatro dias depois, o suspeito de ter assaltado e matado a aposentada foi preso pela polícia. O caso estarreceu a comunidade de 37 mil habitantes pela violência. Mas nem todos os crimes contra idosos são tão visíveis como este. Entre os delitos mais registrados no RS que tem como vítimas pessoas acima dos 60 anos estão estelionato, ameaça, lesão corporal, furtos, abandono e apropriação indébita.
Atualmente há 11.398 processos em andamento no Estado envolvendo idosos. A maioria deles se concentra em Porto Alegre, com 441 ações, seguida por Gravataí, com 363, e Rio Grande, onde tramitam 332 processos. Roubos, furtos, cárcere privado, lesões leves e golpes estão na lista dos delitos que mais levaram a abertura dessas ações. Ainda assim, quem trabalha no combate à violência contra o idoso sabe que a subnotificação é muito alta.
— Há formas de violência que sequer o idoso identifica, como a violência psicológica, patrimonial, o próprio abandono. A violência física é mais palpável. As políticas públicas ainda são muito acanhadas, falta informação e divulgação, tanto sobre as formas de violência como sobre a rede de apoio que o idoso pode buscar socorro — pondera a juíza-corregedora Geneci Ribeiro de Campos, coordenadora do Comitê Interinstitucional de Defesa e Proteção da Pessoa Idosa.
Justamente para tentar alertar a população sobre isso na próxima quarta-feira (15), Dia Mundial de Combate à Violência contra a Pessoa Idosa, será realizado evento em Porto Alegre. Instituições que integram o Comitê Interinstitucional estarão no Largo Glênio Peres, das 10h às 15h, para ouvir e orientar a população sobre o tema. O encontro, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, reunirá a rede protetiva. Haverá prestação de serviços jurídicos e de saúde, além de apresentações artísticas.
— As vítimas costumam ter receio no retalhamento que pode decorrer da denúncia e muitas vezes têm vergonha de serem vítimas de determinadas condutas criminais. Para romper este ciclo ou ao menos minimizar é importante que cada vez mais façamos a divulgação da importância da denúncia, seja em palestras, mídia, matérias de divulgação, conversas. Também ouvimos vários relatos de que denúncias não foram feitas em razão de as pessoas não saberem como proceder — acrescenta a delegada Andrea Mattos, interina na Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre.
Golpes
Um dos crimes que está no topo do ranking dos que mais atingem os idosos, e que costuma gerar essa sensação de culpa e vergonha, é o estelionato. Somente de janeiro a maio deste ano, chegaram ao conhecimento da polícia no Estado 7.858 registros de golpe envolvendo idosos. No mesmo período do ano passado o número havia sido ligeiramente mais alto, com 8.601 ocorrências — em todo 2021 foram mais de 20 mil. São inúmeros tipos de trapaças que têm como principal alvo os anciãos, entre eles o conto do bilhete premiado ou mesmo o golpe do motoboy.
— Muitas vezes o idoso possui a única renda na família. Então, vira fonte de interesse dos golpistas, criminosos, estelionatários. É um dinheiro que é certo que a pessoa tem todos os meses. As quadrilhas são preparadas para enganar as pessoas. Eles iludem, entram em contato telefônico, o idoso às vezes acaba sendo vítima, perdendo poucos recursos, por vezes encomia de uma vida toda, que guardou para a velhice. Além de perder os recursos materiais, tem toda a parte emocional, o constrangimento. A pessoa fica constrangida de ter caído na conversa, como se ela fosse a errada — diz a juíza-corregedora Geneci.
Contexto familiar
O silêncio dos idosos muitas vezes se dá em razão do contexto familiar. Além disso, nem todas as violências deixam marcas, já que muitas vezes esse grupo também é vítima de violência psicológica, abuso financeiro, abandono e discriminação. Em muitos casos, os autores são justamente pessoas do núcleo familiar e responsáveis pelo cuidado dos idosos.
Neste contexto, as campanhas preventivas de conscientização sobre a importância de denunciar esse tipo de situação são consideradas fundamentais. Diferente da criança, que por vezes tem a violência detectada na escola, o idoso em muitos casos permanece isolado em casa. É por isso que os profissionais que têm acesso a essas pessoas, como médicos, enfermeiros, cuidadores, gerentes de banco, devem redobrar a atenção. Somente por meio das denúncias, a polícia poderá ir até o local, identificar a vítima e buscar provas do crime.
— Infelizmente, muitas vezes a violência vem de dentro da própria família, seja ela física, patrimonial e até mesmo sexual. É importante que se fique atento a quaisquer mudanças de comportamento por parte do idoso. Esse é um papel da família, cuidadores e mesmo profissionais de saúde — orienta a delegada Andrea.
O papel da sociedade
Para tentar prevenir que os idosos sejam vítimas de crimes, como os golpes, a polícia enfatiza a importância da orientação. Familiares e pessoas próximas devem alertá-los para que não forneçam seus dados pessoais ou bancários a ninguém e que busquem ajuda de parentes ao usarem a internet, por exemplo. Campanhas realizadas por instituições que lidam diretamente com os idosos também são consideradas importantes, assim como a divulgação de contatos dos órgãos responsáveis.
De maneira geral, a polícia orienta que as pessoas ao redor fiquem atentas ao comportamento dos idosos, como desorientação, confusão mental, ou se ele de repente não é mais visto caminhando pelo bairro, como costumava fazer, o que pode indicar que esteja sendo privado de sair de casa. É importante também saber se o idoso recebe visitas dos familiares, ou se pode estar passando por abandono, e ficar alerta para aproximação de pessoas estranhas, que podem estar buscando se apropriar de bens da vítima.
— Muitos idosos são reféns de uma situação e não tem condição de buscar ajuda, tamanha a vulnerabilidade. A violência passa despercebida porque se passa dentro de casa. É muito sofrível a pessoa denunciar um filho. A pessoa aguenta um extremo. Quando sai é porque a situação se prolonga há muito tempo. Nossa preocupação é quantas pessoas não saem para buscar essa ajuda. Todos nós vamos ficar idosos e estamos despreparados como sociedade. Estamos tentando construir espaços e políticas públicas. Mas, de modo geral, precisamos da mobilização da sociedade pela valorização dessa faixa etária dos idosos. Valorizar enquanto pessoas e se preocupar com políticas públicas adequadas. Temos de melhorar nossa forma de ver, a concepção do idoso, do quanto é importante participação dele — diz a magistrada.
Dicas
Se estiver próximo de um idoso
Caso tenha vizinhos, familiares ou conhecidos nessa faixa etária, preocupe-se e fique atento ao comportamento da pessoa. Se o idoso, que costuma andar pelo bairro, deixa de fazer isso, por exemplo, é importante questionar os familiares. Fique atento para situações de abandono e negligência. Oriente seus familiares sobre os golpes e como pedir ajuda. O mesmo vale para profissionais que mantêm contato com idosos.
Caso seja vítima
Procure uma pessoa em que confie, fale sobre o que está acontecendo e peça ajuda a um profissional de saúde de uma unidade perto de sua casa, ou busque o Conselho do Idoso, Ministério Público ou a Delegacia do Idoso.
O que levar
Sempre que for possível, quando for registrar um boletim de ocorrência policial, leve o máximo de informações, como documentos (RG, CPF), comprovante de endereço, contato de testemunhas que tenham visto a violência/ameaça, laudos ou atestados médicos ou hospitalares onde o idoso tenha ido em busca de socorro após a agressão.
Se tiver problemas financeiros
Se a pessoa enfrentar problemas com contratos de empréstimos, cartões de créditos, serviços contratados que não são cumpridos, cobranças indevidas, entre outras situações, pode procurar o Procon da sua cidade ou o Procon Estadual.
Busque ajuda no Judiciário
Em Porto Alegre, o Judiciário dispõe do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Idoso (Cejusc 60+). A unidade funciona junto ao Cejusc POA, no Foro Central, e recebe demandas relacionadas a dívidas, abandono, litígios familiares, problemas com vizinhos, violência doméstica, além de informações sobre direitos e serviços. O atendimento destinado a pessoas a partir dos 60 anos dispõe de equipe de mediadores e conciliadores para realização das sessões, por meio de convênios com a Delegacia do Idoso, Ministério Público e Defensoria Pública. O Cejusc 60+ conta com atendimento a distância, pelo WhatsApp (51) 99503 4522, para agendamentos e realização de sessões.
Quem pode ajudar
- Disque 100
- Brigada Militar 190
- Polícia Civil 197
- Em Porto Alegre, procure a Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso, na Avenida Ipiranga 1.803, Porto Alegre (térreo do Palácio da Polícia). Telefones: (51) 3288.2390 - 3288.2394. Horário: de segunda à sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h30min às 18h. Também é possível registrar a ocorrência em outras delegacias ou pela Delegacia Online.