No julgamento que decidiu anular o júri que condenou os réus pelas mortes na boate Kiss, dois dos três desembargadores da 1ª Câmara Criminal presentes na sessão desta quarta-feira (3) votaram por reconhecer a nulidade da decisão. A reportagem de GZH ainda não teve acesso aos votos dos desembargadores, mas ouviu as explanações deles na sessão e conseguiu filtrar pelo menos quatro argumentos principais citados pelos desembargadores para decidir pela nulidade.
O julgamento das apelações começou às 14h e terminou às 18h35min. A sessão, que ocorreu no oitavo andar do prédio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi presidida pelo relator dos recursos, desembargador Manuel José Martinez Lucas.
Com o desfecho, todos os quatro réus condenados no julgamento — Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão — já foram postos em liberdade.
O ponto central que possibilitou a decisão foi a escolha dos jurados. Os julgadores citaram problemas na quantidade de sorteios e que os prazos em relação a esse processo não foram respeitados.
Confira os detalhes a seguir:
Sorteios de jurados
O desembargador José Conrado Kurtz de Souza afirmou que a formação do tribunal não se deu na forma da lei. Souza citou o número de sorteio de jurados e os prazos utilizados nesse processo, que teriam ocorrido em desacordo com a legislação, segundo o julgador:
"Não há dúvida de que a inovação, a alteração da fórmula prevista em lei a que procedeu o juiz do tribunal do júri feriu a constituição e o código de processo penal"
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Atos não registrados
Souza também citou uma reunião do magistrado que não está na ata e nem nas gravações do julgamento. O desembargador destacou que os atos realizados em plenário precisam ocorrer sob os olhos de todos ou pelo menos das partes envolvidas e ser registrados.
"O ato de reunião do magistrado em reservado sem a presença do Ministério Público, sem a presença das defesas nulifica o júri. Até mesmo porque não tiveram as partes sequer a possibilidade de registrar impugnação quanto ao seu conteúdo porque deles desconhecem"
Uso do Consultas Integradas
O desembargador Jayme Weingartner Neto também criticou o formato de escolha dos jurados. Em outro momento, Weingartner Neto citou o acesso ao sistema Consultas Integradas, realizado pelo Ministério Público. Como a defesa não teve acesso a esse mesmo mecanismo, Weingartner Neto afirmou que existe disparidade de armas.
Outro ponto destacado por Weingartner Neto ocorre no âmbito da plenitude de defesa. O desembargador afirmou que esse direito não foi respeitado em alguns casos, como a inexistência de tempo hábil e de acessibilidade para analisar documentos ligados ao processo.
O uso do Consultas Integradas para verificar a idoneidade dos candidatos também foi criticado pelo desembargador:
"Noventa e sete pessoas foram impugnadas da lista geral (de jurados) porque em algum momento visitaram familiares ou amigos em estabelecimento prisional. Informação que o Ministério Público só obteve com o Consultas Integradas. De modo que então essa informação privilegiada sobre os jurados se projetava evidentemente para esse júri em clara disparidade de armas."
Weingartner Neto criticou algumas dessas impugnações, baseadas no argumento de que os candidatos foram tendenciosos. Um deles, inclusive, teria realizado esse tipo de visita no ano 2000.
Uso de maquete
O desembargador Jayme Weingartner Neto também citou o uso da maquete digital no julgamento. Weingartner Neto afirmou que a defesa não teve acesso antecipado a esse item, que é considerado um documento juntado ao processo. Requisitos específicos para poder rodar a maquete digital também dificultou o acesso rápido a essa ferramenta.