Em quase duas horas de depoimento, o engenheiro Ronei Wilson Jurkfitz Faleiro, 55 anos, narrou mais uma vez, nesta segunda-feira (4), como foi o ataque sofrido na madrugada de 1º de agosto de 2015. O pai de Ronei Júnior, 17 anos na época, chamou o ato de “selvageria” e disse que a ação de todos os envolvidos foi responsável pelo desfecho trágico, o assassinato do filho dele. Este é o segundo dos três júris deste ano – no primeiro, três réus foram condenados. Nesta semana, são submetidos a julgamento Alisson Barbosa Cavalheiro, Geovani Silva de Souza e Volnei Pereira de Araújo.
O engenheiro foi a terceira vítima de tentativa de homicídio – crime pelo qual os réus também respondem – a ser ouvida neste primeiro dia de julgamento. Ele é considerado vítima porque também foi alvo das agressões, quando, segundo a acusação, o grupo cercou o carro naquela madrugada em que deixavam uma festa na qual eram arrecadados fundos a para a formatura do Ensino Médio. O filho foi atingido por golpes de garrafa na cabeça, chegou a ser socorrido pelo pai até o hospital de Charqueadas, e, diante da gravidade das lesões, foi levado para Porto Alegre, mas não resistiu aos ferimentos.
— As garrafas batiam, quebradas, a lataria estourando, chutes nas portas — descreveu sobre o momento em que ele, o filho, uma colega de aula do adolescente e o namorado dela deixaram o clube e foram cercados no veículo.
O pai contou que num primeiro momento, ao acreditar que os três tinham conseguido embarcar no carro, tentou arrancar, mas não conseguiu. Ronei narrou que de todos os lados o grupo forçava as portas para abrir, chutava e arremessava garrafas. Durante esse ataque, um dos envolvidos conseguiu atingir o adolescente na cabeça com três golpes com uma garrafa.
— As garrafas continuavam sendo jogadas contra a lataria. O carro continuava com portas abertas, o veículo só trancaria se arrancasse ou se eu trancasse as portas. E as portas nunca estiveram fechadas, todas. Não tinha uma única porta que ficasse fechada. A porta era violentamente puxada para fora. Do meu lado também acontecia, chute na porta. A porta de trás também era aberta — descreveu.
Ronei contou que para tentar fechar as portas saiu e, naquele momento, também foi chutado e alvo de garrafadas. Contou que a ação era de extrema violência e que as garrafas batiam no carro, se estilhaçavam e os cacos de vidro caíam na volta do carro. Narrou que havia muitos gritos a todo momento, além dos chutes.
— Se eu tivesse caído no chão, não estariam ouvindo a minha voz aqui agora. E até se tivesse sido, em vez do meu filho, que eles tivessem descarregado aquilo em cima de mim, estaria de bom tamanho. Eu já tinha vivido bastante e meu filho, nada — narrou, em desespero.
Num depoimento bastante emocionado, o engenheiro, que até hoje não consegue cruzar em frente ao Clube Tiradentes, engasgou diversas vezes. Ao narrar as agressões, fez pausas, assim como quando recordou o momento em que soube que o filho não havia resistido. Mais uma vez, o pai descreveu que em sua última frase o adolescente, mesmo ferido, preocupou-se em saber se ele estava bem.
— “Pai, jura pra mim que tu tá bem?”. Eu disse: “Filho, fica calmo, o pai tá bem”. E eu não ouvi mais a voz dele. Um pai ter que jurar para um filho que estava bem. Desculpa, doutor, mas não é justo. Não é justo — disse.
Durante o depoimento, a mãe de Ronei Júnior, Tatiane Faleiro, 46 anos, que até então acompanhava o relato aos prantos, precisou ser amparada e deixou a sala de audiências.
— Eu vou poupar vocês de descrever o que é se despedir de um filho — disse o pai.
Ao ser questionado pelo promotor do Ministério Público Eugênio Amorim, um dos responsáveis pela acusação, se o número de envolvidos foi decisivo para o fato, Ronei concordou.
— Essa questão das portas, do entorno, não aconteceria, e seria suficiente para a gente se evadir dali. Eu não tenho a menor dúvida — disse o pai.
Jovem cheio de sonhos
Ainda ao responder perguntas do Ministério Público, o pai falou sobre o filho. Disse que tinha orgulho do adolescente, que possuía perfil conciliador e agregador. Era o adolescente quem escolhia o cardápio das refeições em casa porque gostava de ter a família reunida na mesa.
— Tiraram o centro da nossa família: o Júnior. Cheio de sonhos, 17 anos. Queria fazer mecatrônica. Na calçada, ficaram os sonhos do Júnior — desabafou.
Na sequência, contou mais uma vez que na casa para onde se mudaram, após deixarem Charqueadas, reproduziram em um cômodo o quarto do filho. Lá guardam roupas e os objetos que ele mais gostava.
— Nos tiraram o que nós tínhamos de melhor na nossa vida — disse.
Com o depoimento do pai, foram encerrados os relatos das vítimas de tentativa de homicídio. Após a fala de Ronei, foi realizada pausa e o julgamento foi retomado às 17h, com o depoimento do delegado Rodrigo Reis, responsável pela investigação na época. Há quatro testemunhas arroladas pelo MP para serem ouvidas, além de nove pelas defesas.
A sessão deve se estender até a noite desta segunda-feira. A previsão é de que o julgamento siga pelo menos até quarta-feira (6) em Charqueadas. É quando os sete jurados vão decidir se os réus são culpados ou não pelos crimes a que respondem.
Primeiro julgamento
No primeiro julgamento, que teve duração de três dias, foram condenados os três réus. Peterson Patric Silveira Oliveira foi condenado a 35 anos e quatro meses de prisão. Vinicius Adonai Carvalho da Silva recebeu pena de 38 anos, 10 meses e 20 dias. Já Leonardo Macedo da Cunha foi condenado a 35 anos e quatro meses de reclusão. Peterson foi o único que confessou ter cometido o crime e disse ter sido o autor das garrafadas.
Os acusados foram condenados por homicídio qualificado, três tentativas de homicídio qualificado, associação criminosa e corrupção de menores. Em razão de habeas corpus preventivo, nenhum dos condenados foi preso por esse crime ao final do julgamento — Vinicius, porém, segue preso por envolvimento em outro caso.
Próximo julgamento
Após este júri, está previsto para ser realizado mais um na semana que vem. Com início marcado para 11 de julho, também deve se estender por três dias. Nessa etapa, serão julgados os réus Cristian Silveira Sampaio, Jhonata Paulino da Silva Hammes e Matheus Simão Alves. Há um décimo acusado de envolvimento nos crimes. Rafael Trindade de Almeida foi denunciado depois dos demais, e seu caso é apurado em outro processo. Ele já foi pronunciado e deverá ir a júri, ainda sem data marcada.