Em novembro, enquanto investigavam rota usada por traficantes entre a Fronteira e a Região Metropolitana, agentes da Polícia Civil e da Receita Federal descobriram 1,6 mil quilos de tetracaína num caminhão abordado na BR-448, em Porto Alegre. Este fármaco é usado para potencializar o efeito e aumentar o volume da cocaína. Para tentar despistar os policiais, a carga estava escondida sob nove toneladas de plástico e papelão.
Sete meses depois, esses materiais recicláveis usados para ocultar o produto, ganharam destino inesperado. Fazem parte dos itens apreendidos do tráfico de drogas no Rio Grande do Sul doados ao projeto Seleção do Bem 8, do Instituto Dunga. Este movimento criado durante a pandemia organiza mutirões de doação, reformas e voluntariado em Porto Alegre. Todas as doações recebidas do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) serão revertidas para comunidades carentes da Capital.
— Sempre somos vistos pelo lado da repressão. Este é um olhar além. Nossa ideia é justamente essa, de trabalhar também com a prevenção. Vemos nessas entidades sociais grandes parceiros. E quando se consegue fazer um trabalho que possa evitar que as pessoas vão para o outro lado, para o da droga, é sempre gratificante — avaliou o diretor do Denarc, delegado Carlos Wendt.
A ideia inicial era se aproximar das ações do projeto por meio das demonstrações realizadas pelo canil do Denarc. Mas a busca por uma solução para o destino dos materiais apreendidos com traficantes — exceto armas e drogas — levou a equipe a pensar que a parceria poderia ir além. Um pedido foi feito ao Judiciário para autorizar a doação dos materiais recicláveis e também de seis prensas hidráulicas — cada uma custa cerca de R$ 25 mil.
— Estamos procurando dar destinação útil para algo que até então era completamente descartado, abandonado, em algum depósito. Esses objetos podem ser importantes para quem trabalha, por exemplo, com instituições como a do Dunga — afirmou o diretor de investigações do Denarc, delegado Alencar Carraro.
As prensas foram apreendidas em laboratórios de drogas descobertos pelos policiais. As máquinas, que antes eram usadas para a fabricação de tijolos de entorpecentes, por exemplo, poderão ser empregadas nos bairros atendidos pelo Instituto Dunga. A ideia é ceder as prensas em forma de empréstimo para que os recicladores possam fazer uso nas usinas das comunidades.
Visita do Dunga
Para concretizar a parceria, na manhã da última terça-feira (28), o ex-jogador e ex-técnico da Seleção Brasileira Dunga, que atualmente lidera o Seleção do Bem 8, esteve na sede do Denarc, na zona norte de Porto Alegre. Contou que a ideia por meio dessa aproximação com a Polícia Civil é ajudar especialmente escolas e asilos.
— Não adianta trabalhar, trabalhar, se não educar a criança. Não adianta prender, prender, se não tiver prevenção. As crianças precisam de referências. Precisam conhecer as profissões, como a do professor, do policial e aprender a sonhar com elas e com um futuro. Por incrível que pareça, temos que ensinar as pessoas a sonhar — disse.
Dunga esteve também no depósito onde está armazenada a carga com os produtos recicláveis. Na chegada, foi parado por um dos funcionários que sacou o celular, querendo uma foto com o ídolo. O capitão do tetracampeonato mundial atendeu ao pedido ao lado do caminhão, abarrotado de materiais recicláveis. O veículo apreendido em novembro do ano passado havia partido de Santana do Livramento. A substância apreendida foi encontrada em 150 caixas de papelão, escondida sob a montanha de lixo.
Assim que se aproximou do veículo, Dunga passou a examinar a carga para saber como aproveitar cada material. A ideia é revender todos os produtos para custear a obra em uma creche da Capital – o local ainda deve ser definido.
— As mães e os pais precisam trabalhar e necessitam de um local para as crianças. Então, a ideia é aproveitar essa verba e reformar uma escola (infantil), dar condições para que as crianças possam estudar — disse Dunga.
Outras iniciativas
Além do trabalho com crianças e adolescentes, o projeto realiza diversas parcerias das quais recebem doações e, dessa forma, coloca em prática ações em comunidades vulneráveis, que incluem entrega de roupas, alimentos e sacos de dormir. Também há iniciativas de preparação para o mercado de trabalho e para que os próprios moradores auxiliem na manutenção de espaços.
Em julho do ano passado, o projeto realizou ação no Gigantinho, servindo café da manhã para 128 moradores de rua que estavam abrigados no local. Não raras vezes, durante este tipo de iniciativa, as pessoas auxiliadas duvidam que seja mesmo o ex-jogador que esteja ali.
— Tenho que tirar a máscara e mostrar que sou eu mesmo. Em muitos casos as pessoas precisam de atenção, de conversa. Querem ser acolhidas, abraçadas. As pessoas hoje em dia estão sobrevivendo, elas não estão vivendo. Então você dá uma esperança — disse.
Nesta parceria com o Denarc, a ideia é que novas ações possam ser realizadas, voltadas para a prevenção especialmente do uso de drogas.
— A droga deixou há muito tempo de ser só um problema de polícia. O Estado tem que ocupar esse espaço de outras maneiras. Esses projetos sociais são importantes por isso. Muitos ocupam um espaço que o Estado não está ocupando. E é uma porta de entrada para a própria polícia, estar nas comunidades. Uma referência de uma pessoa que é um ídolo de um adolescente e de uma criança. Esse ídolo levando uma imagem diferenciada da polícia daquela que criaram para ela no local onde ela mora — avaliou Wendt.
Como ajudar
Quem tiver interesse em colaborar com o projeto Seleção do Bem 8 pode entrar em contato pelo telefone 051-99987-0531.