Um racha entre as duas principais facções que atuam no sul do RS gerou um banho de sangue no município de Rio Grande. Foram 46 homicídios até 20 de maio, contra 31 em todo o ano passado.
Caso sejam somados a esses homicídios os latrocínios (roubo com morte) e as lesões seguidas de morte, o número sobe para 40 em 2021 e 51 em apenas cinco meses de 2022. Tudo isso levou Rio Grande a liderar o número de mortes no Interior, embora seja a 10ª em população.
As investigações apontam que as mortes premeditadas (homicídios) envolvem rixas entre chefetes pelo varejo da venda de drogas na cidade e também pelo controle do envio de maconha ao Uruguai (via terrestre). Em paralelo, esse desacerto entre lideranças do crime liberou caminho para quadrilhas independentes dos bairros acertarem contas, analisa Lígia Furlanetto, delegada regional da Polícia Civil em Rio Grande.
Os policiais da região não enxergam ligação entre a matança em Rio Grande e a intensa atividade de tráfico no porto, comprovada pelo aumento de apreensões de drogas. Até porque o uso portuário para transporte de cocaína se destina ao Exterior, enquanto as brigas que resultaram em homicídios na cidade envolvem vendas ao consumidor local.
Um episódio cinematográfico é considerado o ponto de ruptura que levou à mortandade. Em novembro do ano passado, a Polícia Civil descobriu um suposto plano de fuga da penitenciária mais segura do Estado, a Pasc, em Charqueadas. Ele seria empreendido pelo apenado Fábio do Gás, traficante da região de Rio Grande. A estratégia incluiria invasão da prisão, uso de explosivos e até helicóptero.
Mas as investigações apontaram que o plano não era verdadeiro. Teria sido forjado por Edmilson Cardoso Pereira, o Catarina, traficante da região do Chuí, que comercializa droga para a facção com base no Vale do Sinos. Interrogado, ele assumiu ter inventado o suposto complô com o objetivo de incriminar Fábio do Gás e induzir as autoridades a isolarem esse rival em uma penitenciária de segurança máxima de outro Estado, neutralizando sua influência fora da cadeia.
Após o plano forjado, as duas facções começaram a se retaliar, apontam as investigações. A maioria das mortes de novembro de 2021 para cá foram represália relativa à fuga inventada. Algumas quadrilhas independentes, no vácuo de liderança que se seguiu, aproveitaram também para acertar contas, relata a delegada Lígia.
A Polícia Civil e a Brigada Militar realizaram quatro grandes operações, na tentativa de frear as mortes, mas a onda de homicídios ainda persiste. A delegada ressalta que 91% dos autores estão identificados. Foram feitos 40 indiciamentos, referentes a 46 homicídios.
— As duas polícias prenderam 63 pessoas e cumpriram 119 mandados de busca e apreensão. Já reduzimos o ritmo de mortes, vamos apertar mais — avisa a delegada.