O tempo de espera para embarcar nos ônibus é uma das principais reclamações dos passageiros que utilizam durante a noite a parada na Avenida Chuí, onde Cristiane da Costa dos Santos, 20 anos, foi morta em assalto na zona sul de Porto Alegre. Após o crime, que completa um mês neste sábado (23), o ponto ao lado do BarraShoppingSul segue iluminado e com policiamento da Brigada Militar. Ainda assim, os usuários, a maioria trabalhadores no retorno para casa, relatam que precisam permanecer no local mais do que seria necessário, o que aumenta a sensação insegurança.
Após saber que a jovem tinha sido assassinada na mesma parada onde costuma aguardar todos os dias na volta para casa, uma funcionária de um escritório de advocacia próximo dali ficou uma semana sem conseguir retornar ao ponto de ônibus. Na noite de 23 de setembro, a mulher de 36 anos, havia embarcado cerca de uma hora antes do assalto que resultou no assassinato de Cristiane.
– Meu marido veio me buscar todos os dias, até passar um pouco o susto. Voltei somente quando vi que havia policiais ali – relata a assistente de relacionamento, que preferiu não ser identificada na reportagem.
Na noite de quinta-feira (21), quando GZH esteve na parada, ela precisou aguardar cerca de 30 minutos para conseguir embarcar. Receosa com o fato e com relatos de colegas de trabalho, que já foram assaltados no local, busca adotar outras medidas de segurança.
– No horário em que embarco são poucos (ônibus) que param porque está muito lotado. Já tive de aguardar mais de 40 minutos. Não fico bem na parada, fico bem próximo à entrada do Barra. Qualquer coisa suspeita fica melhor de fugir, fica mais fácil para se proteger. Celular só na mochila ou bolsa. Não pego mais na rua de jeito nenhum – diz.
Medidas foram adotadas após o crime que resultou na morte da jovem, que trabalhava em uma das lojas do shopping. Refletores do estabelecimento comercial estão posicionados na direção do ponto de ônibus, deixando o local mais iluminado, já que uma das reclamações dos passageiros era a escuridão. Um veículo, com segurança privada, costuma permanecer posicionado na área do shopping, que fica perto do acesso à parada.
Uma viatura com policiais militares tem permanecido no canteiro central entre a Avenida Chuí e a Padre Cacique. Segundo a Brigada Militar, a equipe já costumava ficar pelas redondezas, e no dia do fato estava a cerca de 150 metros da parada.
– As viaturas da polícia passam com mais frequência nessa zona aqui. Se continuar como está hoje, já é alguma coisa. O receio é de que daqui a um tempo esqueçam o que aconteceu e tirem o policiamento – afirma a passageira.
Lojista e gerente de uma das lojas do shopping, Amanda Cardoso, 26 anos, reconhece que foram implementadas melhorias, mas também acredita que seria necessário aumentar as linhas de ônibus nos horários noturnos, para evitar que os trabalhadores sejam expostos.
– A nossa realidade está melhor quanto à segurança, mas ainda longe do que esperávamos. Os ônibus estão muito lotados, fazendo com que os colaboradores tenham de esperar em torno de 40 minutos, até parar outro. Acabam indo para a parada mais perto do horário para não ficarem vulneráveis e acaba tendo um atraso de mais de 10 minutos. E quando vem, não conseguem embarcar – relata.
Uma das testemunhas da morte da jovem, uma maquiadora de 57 anos, até hoje não conseguiu voltar a frequentar a mesma parada. Na noite do latrocínio, ela também foi assaltada pelos mesmos criminosos, que chegaram no ponto exigindo celulares dos passageiros. Logo após entregar o aparelho, ouviu um dos ladrões gritar com Cristiane e o estampido do tiro, que atingiu a jovem no peito. A maquiadora ainda amparou a jovem nos braços, mas não houve tempo para que ela fosse socorrida.
– Mudou bastante a situação da iluminação e do policiamento à noite. Mas evito aquela parada. É muito recente, ainda me sinto mal quando passo por ali. Volta tudo. Espero que a justiça se faça – diz.
Segundo o subcomandante do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM), major Luciano Porto, ao longo deste ano foram realizadas 372 abordagens em linhas de ônibus na área do batalhão, que compreende 27 bairros na zona sul de Porto Alegre, num total de quase 500 mil habitantes. Nesses locais, também foram abordados quase 50 mil passageiros. O total de pessoas abordadas na área de atuação (incluindo passageiros) foi de 98,6 mil, o que resultou na apreensão de 274 armas, sendo cinco fuzis, 4,7 mil munições, e 184 quilos de drogas.
– Para controlar o latrocínio é preciso controlar os roubos a pedestres, de veículos e transportes coletivos. Por isso, esse número de abordagens. Estamos todos os dias nas ruas, tentando evitar que esses crimes aconteçam. A área que atuamos é de 7.179 quilômetros quadrados. Aquele dia, estávamos a cerca de 150 metros, muito próximo. E, ainda assim, infelizmente aconteceu. O policiamento sempre está naquele entorno. Sempre há policiamento ali, em razão da grande circulação de pessoas – afirma o major.
Oferta e demanda afetadas pela pandemia
Engenheiro de transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), que representa o Consórcio Viva Sul, responsável por operar as linhas da zona sul de Porto Alegre, Antônio Augusto Lovatto afirma que o sistema está sendo restabelecido gradualmente, em razão da queda na demanda de passageiros nos períodos mais críticos da pandemia, que levaram menos pessoas a utilizarem o transporte público.
– A pandemia levou o sistema a transportar 30% do que transportava antes. Hoje, estamos com em torno de 60% da demanda. Não poderíamos deixar a mesma oferta que havia antes, o mesmo número de horários porque isso encareceria o sistema. Estamos recolocando gradualmente e está aumentando a frequência de horários. Realmente, aumentou um pouco o tempo de espera, mas está reduzindo gradualmente – afirma.
A intenção, segundo o engenheiro de transportes, é de que mais linhas sejam ofertadas, mas o aumento da oferta depende do crescimento da demanda de passageiros.
– Estamos trabalhando muito para colocar mais frequência de horários, com objetivo de reduzir esse tempo de espera. No momento em que o sistema escolar retornar efetivamente, teremos incremento de 20% a 30% na oferta – diz.
Aplicativo para ajudar
Uma das formas recomendadas para que os usuários reduzam o tempo de permanência nas paradas de ônibus é utilizar o aplicativo CittaMobi. Por meio dele, é possível saber, por exemplo, em qual horário o coletivo passará pelo local e quais os próximos horários disponíveis.
– É importante que usuários adquiram o aplicativo, que permite atrasar a saída de casa, ou do trabalho, do escritório, para ficar menos tempo esperando na parada. É um aplicativo fácil, amigável, onde num clique no celular se sabe o tempo que falta para o ônibus – orienta Lovatto.
Três presos
A apuração sobre a morte de Cristiane resultou na prisão de três suspeitos de envolvimento no crime. A primeira a ser detida foi uma mulher, suspeita de ter transportado os autores do assalto até as proximidades do local do crime. O Fiesta foi utilizado para os criminosos chegarem na parada, e, após dispararem contra a jovem, fugirem do local. Com a mulher, foi apreendido celular que mostra troca de mensagens com outro suspeito sobre o latrocínio.
Em 7 de outubro, um dos suspeitos do crime foi preso por policiais do 20º Batalhão de Polícia Militar (BPM), quando caminhava na Rua 24 de Agosto, no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre. No dia 12 de outubro, o terceiro suspeito de envolvimento no crime foi capturado pela Brigada em São Nicolau, no noroeste do RS. Os três, que eram moradores do Campo da Tuca, na Capital, estão com prisão temporária decretada pela Justiça. A polícia pretende concluir o caso até o fim deste mês.
O que diz o shopping:
Em nota, o BarraShoppingSul afirmou que "lamentou profundamente o ocorrido" e que "mesmo que o caso tenha acontecido fora de suas dependências, sempre esteve à disposição das autoridades competentes para colaborar com as investigações".