Numa das maiores operações contra o crime organizado neste ano, o Departamento de Homicídios da Polícia Civil atingiu nesta terça-feira (3) uma facção que possui grupos diferenciados para lidar com tráfico de drogas, jogatina, assassinatos e apoio a políticos. É o que indicam as investigações, que resultaram em 20 presos — entre eles, um vereador de Cachoeirinha, José Francisco Soares, o Juca (PSD).
Desde a madrugada, estão sendo cumpridas 82 ordens judiciais, em oito municípios gaúchos. Os indícios são de que o grupo atuava sobretudo na Região Metropolitana, com foco em Cachoeirinha e Gravataí, mas que praticava extorsões e homicídios em todo o Estado.
Juca Soares é irmão do principal alvo da operação, Tiago Soares da Silva, o Tiago Pequeno ou Zé Pequeno, um dos líderes da facção Bala na Cara. Ele responde a nove inquéritos por homicídios e tem antecedentes por cinco assaltos a banco, roubo de veículos, arrombamento de caixas eletrônicos, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo.
Conforme as investigações, o vereador — que tem antecedentes por ameaça e introdução de telefone em penitenciária — receberia mesada da quadrilha e teria obtido ajuda para amedrontar rivais na política, inclusive com queima de placas e cartazes de propaganda de adversários.
Foi também apreendida documentação que mostraria contabilidade de supostas remessas de dinheiro dos criminosos para a campanha política de Juca. O vereador e alguns assessores tiveram a prisão preventiva decretada pela 17ª Vara Criminal de Porto Alegre, que lida com crime organizado.
O parlamentar já era investigado pelos mesmos motivos pelo Ministério Público Eleitoral, com vistas à possível cassação do mandato. As investigações da Polícia Civil apontam que ele receberia um percentual da arrecadação feita pela quadrilha em locais de jogatina clandestina. Mas há também indícios de ameaças no período eleitoral.
Assessores de Juca Soares teriam pedido ajuda a Pequeno, o irmão quadrilheiro, para "mandar uns piá para dar uma cobrada" nos cabos eleitorais adversários do vereador. Pequeno promete ajuda. Logo em seguida, uma gravação mostra Pequeno ordenando a expulsão dos rivais de Juca de uma vila em Cachoeirinha.
— Esses enrustidos, sem-vergonha... Eles nem sabem o tamanho da caminhada que nós temos e tão indo apoiar outras pessoas. O que tiver pela frente nós vamos atorar no meio. Ficam apoiando o cara da Vila Anair aí... Diz pra eles sumir, esses sem-vergonha!
Em outra conversa via WhatsApp, um quadrilheiro comenta sobre a notícia da busca realizada por promotores em residência do vereador Juca e fala:
— Só vou dizer uma coisa, querem usar a reportagem do Zé (Pequeno) pra ferrar o Juca, né... Pois vamos ferrar eles. Se sair qualquer coisa deles, vou matar todo mundo. Pode ser o capeta, tô nem aí. É pra jogar sujo, vamos jogar sujo.
Outros diálogos colocam o vereador como suspeito de receptação de carros roubados. Ele era dono de uma oficina em Gravataí. "Ele fazia os carros para nós. Clonava, trocava placa, vidro, motor, isso em 2015 e 2016, a gente levava os carros para ele", relata um quadrilheiro ouvido pela polícia.
Pequeno e os principais aliados na facção já estão presos e tiveram decretada nova prisão preventiva.
Delação aponta matadores
A investigação da Polícia Civil começou quando foi preso um suspeito de homicídio, ligado à facção. Ele se dispôs a firmar uma colaboração premiada, aceita pela Justiça.
O homem acabou confessando 10 assassinatos em que ele mesmo esteve envolvido (a polícia só sabia de um) e detalhou ao todo 31 mortes que teriam sido efetuadas pela quadrilha de Pequeno, por meio de 79 matadores. O colaborador está agora no programa Protege, destinado a testemunhas ameaçadas.
A maioria dos assassinatos relatados pelo delator são contra rivais de outras quadrilhas. Um deles é de um gerente de facção rival, Os Manos, que atuava em Canoas. Conforme a narrativa, ele foi sequestrado por quadrilheiros vestidos com uniformes da Polícia Civil — ligados a Pequeno — e esquartejado, com execução filmada e divulgada em redes sociais para assustar adversários.
Outro caso notório é uma chacina em Mostardas, ocorrida em 2019, quando bandidos entraram de madrugada em uma boate a atingiram 10 pessoas com tiros, matando cinco delas. O crime é atribuído, nas investigações, à quadrilha de Pequeno, em desacerto por pontos de prostituição e drogas.
Em outros casos, os homicídios foram de criminosos da própria facção, que tinham dívidas. Há também casos de pessoas mortas por engano, como de um empresário dono de uma Range Rover. Ele foi assassinado ao ser confundido com um familiar, o verdadeiro alvo da quadrilha.
Nos celulares de alguns suspeitos de crimes foram apreendidos vídeos com tortura de adversários, com fuzilamento de outros e também diversas fotos em que eles exibem farto armamento.
Até as 7h15min, 20 dos 21 mandados de prisão haviam sido cumpridos, sendo que 18 alvos já estavam no sistema carcerário. Duas pessoas foram presas em flagrante.
Jogatina por todo o Estado
A investigação do Departamento de Homicídios constatou que a facção disfarça os lucros de diversas formas. Entre elas, compra de locais de jogo ilegais.
Eles atuam sobretudo na Região Metropolitana, mas também se associam a bicheiros e donos de bingos na região de Bagé e Pelotas. A associação se dá por convencimento ou ameaça. Em outros casos, a facção simplesmente toma o local, à força.
O dono de jogatina ilegal que não colabora sofre represálias. O exame de celular apreendido mostra que, ao ordenar o ataque a um bingo que se recusava a pagar propina para a facção, um gerente do tráfico determina, por WhatsApp: "Pegaaaa" e "Vai lá e toma os jogos que tiver. Tudo que não seja nosso. E seguinte: essas mulher aí das salas... vou acabar matando uma ainda".
Com base em diálogos como esses, a Justiça expediu mandados de busca e apreensão para 59 endereços. Desses, 17 são casas de jogo e bares com caça-níqueis. Os demais, residências e locais de encontro de criminosos que seriam ligados à facção. Os endereços são em Cachoeirinha, Gravataí, Porto Alegre, Esteio, Portão, Guaíba e Pelotas. Alguns funcionam também como ponto de venda de drogas.
Contraponto
GZH ligou às 8h para o gabinete do vereador Juca Soares, mas ninguém atendeu a ligação. A reportagem também tentou contato com Denis Rogério, advogado do parlamentar, mas não conseguiu.