Uma ação de inteligência das polícias gaúchas impediu que um dos líderes de uma facção criminosa com atuação na Região Metropolitana fosse colocado em regime semiaberto e concretizasse o plano de romper a tornozeleira eletrônica. Cristiano Feijó Madrile, conhecido como Cabelo, cumpre pena de 33 anos e quatro meses na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), em Charqueadas, por dois homicídios. Está preso desde 2008 e, segundo investigações da Polícia Civil, encomendou uma série de assassinatos ligados à guerra do tráfico de dentro da cadeia.
O juiz da 1ª Vara de Execuções Criminais Paulo Augusto Oliveira Irion colocaria Cabelo em regime semiaberto em 2 de junho seguindo uma decisão de setembro de 2020, assinada pela juíza Andreia Nebenzahl de Oliveira. Na época, por já ter cumprido 12 anos e cinco meses, a juíza entendeu que o apenado poderia progredir de pena e passaria a usar tornozeleira. Porém, um pedido de prisão preventiva por um homicídio em Sapucaia do Sul, ocorrido em 2019, para o qual Cabelo foi responsabilizado, fez com que o preso permanecesse em regime fechado. Por excesso de prazo no julgamento desse processo, a preventiva caiu. Ao saber da revogação, Irion mandou que a progressão de pena fosse efetivamente cumprida agora, com a colocação da tornozeleira eletrônica.
Paralelo à decisão do juiz, Brigada Militar e Polícia Civil souberam que uma operação de resgate de Cabelo estava sendo planejada para a data em que ele iria progredir de regime. A informação obtida por canais de inteligência era de que 10 veículos, incluindo carros blindados e homens armados, iriam esperar Cabelo na saída da Pasc, fariam sua escolta até Canoas, onde a tornozeleira seria rompida. Se o plano fosse concretizado, Cabelo seria considerado foragido.
— Montamos uma operação para fazer abordagem desses veículos no momento em que ele saísse da Pasc e flagramos sete veículos, todos foram abordados — explica o chefe da agência central de inteligência da Brigada Militar, tenente-coronel Rogério Araújo de Souza.
Quatro já estavam bem próximos a Pasc, um deles era conduzido por um familiar de Cabelo e continha uma mala de roupas. Outros três veículos foram abordados a quatro quilômetros dali, na RS-401. Ninguém foi preso pois a extração não aconteceu e nenhuma arma foi encontrada.
A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) já estava em deslocamento para a Pasc para instalar a tornozeleira eletrônica no apenado quando o Departamento de Homicídios localizou dois pedidos de prisão preventiva feitos pela DHPP de Gravataí, no âmbito de investigações que ainda estão em andamento, e aceitos pela Justiça. Os dois mandados mantiveram o preso atrás das grades.
— Cabelo não iria voltar, iria procurar outro destino — acredita o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Eibert Moreira Neto.
Como as investigações ainda estão em andamento, os mandados não seriam cumpridos neste momento, mas foram adiantados devido a iminência do apenado progredir ao semiaberto e se tornar foragido:
— Em alguns casos, pedimos o sigilo do mandado de prisão quando a investigação ainda está em aberto. Por mais que ele estivesse preso, quando se anuncia a prisão, em tese, ele toma conhecimento da investigação, verifica o processo. Agora ele permanece na Pasc devido as duas prisões preventivas — explica Eibert.
Homicídios investigados em Gravataí
Duas apurações de homicídios atribuídos a Cabelo que aconteceram em Gravataí foram fundamentais para mantê-lo na Pasc. A primeira investiga a morte de Maicon Teixeira Soares. O delegado Ricardo Milese aponta que o apenado seria mandante desse assassinato.
Mesmo estando preso, ele mantinha um grupo de matadores aqui fora comandado por ele e controlado por ele de dentro da cadeia, o que é exemplificado nesses dois casos. Ele é um indivíduo bastante perigoso pela violência, grau de organização e o armamento que eles dispunham.
RICARDO MILESE
Titular da DHPP de Gravataí
Na data do crime, o grupo pretenderia executar um matador da facção rival no local em que a vítima foi morta. Como não localizaram o alvo, que teria executado diversos comparsas do grupo de Cabelo, teriam assassinado Maicon por estar no ambiente em que achavam que encontrariam o outro homem.
O segundo assassinato é de Anderson Luciano Melo da Silva, o Leco, em 2017. Também teria sido morto por ordem de Cabelo, segundo Milese, por ser integrante do grupo que determinou a morte de um familiar do apenado.
— Mesmo estando preso, ele mantinha um grupo de matadores aqui fora comandado por ele e controlado por ele de dentro da cadeia, o que é exemplificado nesses dois casos. Ele é um indivíduo bastante perigoso pela violência, grau de organização e o armamento que eles dispunham — argumenta Milese.
Ele está envolvido em diversos homicídios, inclusive com esquartejamento de vítima. Nossa preocupação era o aumento de guerra de facções, pois ele não perdeu espaço nesse período preso. Mas solto ele teria mais facilidade de coordenar as guerras e o tráfico.
EIBERT MOREIRA NETO
Diretor de Investigação do Departamento de Homicídios da Polícia Civil
Ligado ao grupo criminoso com berço no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, Cabelo é natural de Canoas, na Região Metropolitana, onde controlaria parte do tráfico de drogas e ordenaria crimes em cidades próximas. É considerado pela polícia como integrante do segundo escalão da facção. Em julho de 2017, quando estava no Presídio Central, foi um dos 27 presos transferidos para penitenciárias federais durante a operação Pulso Firme — na época, a primeira de três ofensivas que tirou criminosos perigosos nas cadeias do Rio Grande do Sul e os isolou em penitenciárias de segurança máxima fora do Estado. Por decisão da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, retornou em julho de 2020 e cumpre pena na Pasc.
No Departamento de Homicídios de Polícia Civil, Cabelo é citado em pelo menos sete investigações de assassinatos. Em três delas foi indiciado: em Canoas, em 2008, em Sapucaia do Sul, em 2019, e Porto Alegre, em 2016. Em 2000, foi responsabilizado na condição de adolescente infrator por um homicídio em Sapiranga, no Vale do Sinos.
Recentemente, também foi considerado pela polícia um dos mandantes do esquartejamento de Orides Telles da Silveira em maio de 2017, dentro de uma investigação que já estava fechada e foi reaberta por ter novos indícios de autoria. A vítima, conhecida como Bonitinho, pertencia a facção rival à de Cabelo. O homem foi sequestrado em Gravataí e o corpo foi encontrado em pedaços dentro de sacolas plásticas às margens da BR-386, em Canoas.
Na leitura de Eibert, o retorno de Cabelo às ruas poderia acirrar conflitos de organizações criminosas na Região Metropolitana, especialmente em Canoas.
— Ele está envolvido em diversos homicídios, inclusive com esquartejamento de vítima. Nossa preocupação era o aumento de guerra de facções, pois ele não perdeu espaço nesse período preso. Mas solto ele teria mais facilidade de coordenar as guerras e o tráfico.
Procurado por GZH, o juiz Paulo Augusto Oliveira Irion afirmou que a progressão de Cristiano Feijó Madrile foi concedida com base na legislação, que estabelece o direito à progressão de pena.
Contraponto
GZH contatou a defesa de Cristiano Feijó Madrile e o advogado André Von Berg se manifestou por meio de nota:
"Na condição de advogado de Cristiano, informo que houve decisão da Vara de Execuções Penais deferindo a progressão de regime, porque preenchidos todos os requisitos legais.
Quanto à informação de que romperia a tornozeleira eletrônica, trata-se de mais uma especulação, sem qualquer respaldo probatório e não corresponde com a verdade.
Tal afirmação falsa, apenas confirma o estigma que a segurança pública carrega em desfavor de Cristiano. O que ele pretendia, do fundo da sua alma, era poder reencontrar e abraçar a sua Família.
A propósito, recentemente foi revogada uma prisão preventiva, em que Cristiano foi acusado de ser o mandante de um homicídio, pois segundo a testemunha, Cristiano teria passado a ordem em tempo real, por chamada de vídeo. No entanto, no dia do crime, Cristiano estava preso em um Presídio Federal, local em que nunca, jamais qualquer preso teve acesso a aparelho celular, segundo dados do próprio Ministério da Justiça.
Por fim, a defesa ainda não teve acesso ao novo processo em que foi decretada a nova prisão preventiva em desfavor de Cristiano. Mas, afirma categoricamente que não teve nenhuma participação nesses ilícitos, e, confia na Justiça, em que poderá provar a sua total inocência.
Para finalizar, gostaria de deixar registrado que causa espécie esse alarde feito pelas Forças de segurança, que parecem não acreditar na ressocialização dos apenados, criando falsas acusações com o espúrio objetivo de dificultar a sua progressão de regime, o que é assegurado a todos os condenados."