O médico e vereador do Rio de Janeiro Jairo Souza Santos Junior, o doutor Jairinho, de 43 anos, foi indiciado nesta terça-feira (1º) pela Polícia Civil do Rio por torturar um menino de três anos, filho de uma mulher com quem ele namorou e chegou a morar. As torturas aconteceram em 2016. A mãe da criança também foi indiciada, por omissão, porque não impediu Jairinho de ter contato com o filho mesmo sabendo de pelo menos um episódio de violência. O relacionamento entre ambos se manteve até 2020. Jairinho está preso desde 8 de abril e responde por tortura e morte de seu enteado Henry Borel, de quatro anos, filho de sua namorada Monique Medeiros, que também está presa. Ele também já era réu por torturar a filha de outra namorada, entre 2011 e 2012.
Durante a investigação das agressões a Henry, a polícia descobriu relatos de que Jairinho já tinha agredido filhos de namoradas anteriores. Débora Melo Saraiva seria um desses casos - uma pessoa denunciou ter flagrado Jairinho agredindo o filho dela. Débora então foi à Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) no dia 22 de março e contou que mantivera um relacionamento conturbado com o vereador, a partir do final de 2014, quando ela trabalhava na Câmara Municipal (e ele já era vereador). Mas ela omitiu as agressões. Em 16 de abril, oito dias após a prisão de Jairinho, Débora voltou à delegacia e mudou sua versão: disse ter sido agredida pelo vereador em várias ocasiões, tendo até quebrado um dedo dela, e também narrou agressões dele ao filho.
A criança também foi ouvida e relatou agressões.
— A criança reviveu parte de episódios sofridos, como sufocamento com saco na cabeça, pisões na barriga e uma grave fratura de fêmur — contou nesta terça-feira o delegado Adriano França, titular da DCAV.
Segundo a polícia, em 2016 o menino de três anos foi obrigado por Jairinho a entrar no carro e, com medo, vomitou dentro do veículo. Depois, na tentativa de fugir, pulou do carro e quebrou o fêmur. Ao levar a criança ao hospital municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca (zona oeste), Jairinho e Débora contaram que o menino havia sofrido um acidente casual, e negaram agressão — por isso o casal está sendo indiciado também por falsidade ideológica.
Nos documentos relativos àquele atendimento, apresentados à polícia pelo hospital Lourenço Jorge, uma psicóloga relatou que o menino, ao ser atendido ferido, contou que não queria entrar no carro do qual havia saltado. No prontuário, além da fratura, constam hematomas nas bochechas e assaduras nos glúteos — sinais das agressões que ele havia sofrido e devido as quais tentara fugir.
Débora não comunicou o episódio do carro às autoridades nem à equipe de profissionais de saúde que atendeu a criança. Mesmo ciente das agressões de Jairinho ao filho, ela permitiu que o vereador saísse com a criança, que, segundo a polícia, acabou "sofrendo novo episódio de intensa dor e sofrimento". Ela também continuou dividindo a casa com Jairinho, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio.
— Débora continuou a ficar na condição de amante até o fim de 2020, ainda com alguns encontros esporádicos em 2021, preferindo fingir que nada aconteceu com seu filho — disse o delegado.
A reportagem tentou localizar representantes de Débora para que se pronunciem sobre o indiciamento, sem sucesso até a publicação deste texto. Também procurada, a defesa de Jairinho não se manifestou sobre a decisão da polícia.
Além das duas acusações referentes a Henry (por tortura e homicídio) e do indiciamento anunciado nesta terça-feira, Jairinho já era réu em um processo por tortura a outra criança.
Em 3 de maio a Justiça do Estado do Rio aceitou denúncia contra Jairinho por tortura praticada nos anos de 2011 e 2012 contra uma menina de quatro anos, filha de uma cabeleireira que conheceu Jairinho em 2010 e manteve um relacionamento com ele até 2013. Nesse intervalo, chegaram a ficar noivos. A menina, que à época tinha de três a cinco anos e hoje tem 13, disse que o vereador bateu a cabeça dela contra a parede do box de um banheiro e pisou sobre o corpo dela no fundo de uma piscina, tentando impedir que ela emergisse para respirar.
— À época, essa criança tinha entre três e cinco anos. Essa criança sofreu uma série de violências e até tortura — disse o delegado Felipe Curi, diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), em entrevista coletiva concedida quando o indiciamento foi anunciado, em 30 de abril.
— A criança tinha pavor e pânico ao ver o carro de Jairinho. A figura dele trazia lembranças das agressões. Ela ficava segurando na perna da avó para não ir ao encontro do doutor Jairinho. Quando identificaram a ânsia de vômito e o pânico da criança, ela foi afastada do convívio (com ele). A criança foi praticamente criada pela avó por questões familiares —contou o delegado Adriano França, titular da DCAV, em 30 de abril.
— Por medo, a mãe da criança acabou não denunciando. Com o caso do Henry, ela criou coragem e acabou denunciando. Esse caso não tem nada a ver com o caso Henry, mas surgiu no bojo da investigação e serve para corroborar o perfil de violência do doutor Jairinho contra menores filhos das pessoas com quem ele têm relacionamento amoroso — completou o delegado Felipe Curi.
A mãe da criança é considerada pela polícia vítima de violência doméstica e não foi indiciada por não ter denunciado as agressões dele à filha.