Desde as operações da Polícia Federal (PF) em 2019 contra fraudes no mercado de moedas virtuais no Rio Grande do Sul, clientes da Indeal e da Unick vêm buscando reaver na Justiça os investimentos que fizeram. Teve gente que vendeu imóveis, terrenos e automóveis para aplicar e até hoje não viu a cor do dinheiro de volta.
GZH fez um levantamento no sistema do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e encontrou 1.418 processos contra essas empresas. São 715 contra a Unick e 703 contra a Indeal, muitos deles já com sentença transitada em julgado. Ou seja, com ganho de causa pelos clientes.
São ações que tramitam em juizados especiais cíveis e varas cíveis nas mais variadas comarcas do Rio Grande do Sul. Também foram encontrados processos de clientes dessas empresas em juízos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Em 21 de maio de 2019, a PF deflagrou a Operação Egypto. Quinze pessoas, incluindo os sócios da Indeal, são réus em ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) resultante dessa investigação. Em 17 de outubro do mesmo ano, a PF realizou a Operação Lamanai. Também são 15 os réus, mas uma investigação é independente da outra e os investigados também são distintos, apesar das duas empresas do ramo de criptomoedas terem base no Vale do Sinos.
O pós-doutor em Direito Penal e professor da PUCRS Marcelo Peruchin lembra que, em casos como o investigado pela Operação Egypto, os bens e valores só poderão ser liberados para ressarcimento das vítimas após o trânsito em julgado do processo penal.
— Medidas cautelares se mantêm até o trânsito em julgado da ação penal. Enquanto o processo estiver tramitando, a decisão cautelar, em regra, fica mantida — adianta Peruchin.
Segundo o criminalista, existe a possibilidade de venda antecipada dos bens obtidos por meio de lavagem de dinheiro. Mas lembra que, mesmo assim, os valores obtidos nos leilões ficam depositados em uma conta judicial e só poderão ser liberados ao fim da ação penal.
— Porque até transitar em julgado, a defesa pode reverter a condenação. E se consegue reverter a condenação e os valores já foram liberados, como fica o réu que acabou absolvido? — destaca.
Peruchin conta que esse tipo de ação pode levar de três a oito anos até o trânsito em julgado. Diz que é possível um acordo na esfera cível entre os réus e o MPF para eventual liberação dos valores às vítimas, mas que caberá ao juiz que conduz a ação penal a palavra final.
As ações penais tramitam na 7ª Vara Federal de Porto Alegre. O processo da Indeal é conduzido pelo juiz Guilherme Beltrami. Já o Caso Unick tem a juíza Karine da Silva Cordeiro como responsável.
Em nota enviada a GZH, a 7ª Vara Federal informa que quanto à Indeal, ficou decidido que não haverá transferência de valores individuais, “na medida em que vigente medida assecuratória de natureza criminal, pendente de definição jurídica definitiva”. Também que tramita perante o MPF de Novo Hamburgo inquérito civil no interesse de “resguardar direitos individuais homogêneos dos clientes da Indeal”. Acrescenta que foram expedidos 722 ofícios de reserva de créditos, “além de penhora no rosto dos autos”.
Segundo o cartório, em 14 de janeiro de 2021, foi oficiado à Promotoria de Justiça da Defesa do Consumidor da Comarca de Limeira (SP), solicitando que avalie a possibilidade de atuação dos interesses coletivos dos consumidores, cerca de 55 mil pessoas em todo o território nacional, investidores da Indeal, “cujo prejuízo estimado é de R$ 850 milhões, preservando a igualdade entre credores, evitando a sobrecarga do Poder Judiciário das comarcas com ações individuais e considerando que a indenização a vítimas na seara criminal pressupõe sentença condenatória transitada em julgado”. O cartório esclarece que, apesar da filial estar situada no centro de Novo Hamburgo, a sede da empresa é em São Paulo, capital, no bairro Bela Vista.
Conforme a 7ª Vara Federal, embora tenham sido deferidas medidas judiciais para assegurar a reparação do dano de possíveis vítimas, isso se deu em caráter cautelar, “sendo que a eventual decretação de perdimento pelo Juízo Criminal pressupõe o trânsito em julgado de sentença penal condenatória na ação penal em curso perante este Juízo”. O cartório sustenta que “não é possível a transferência de valores sequestrados diretamente a clientes, por não se prescindir de concurso de credores”.
Em relação à Unick, a 7ª Vara Federal informa que o MPF de Novo Hamburgo instaurou inquérito civil para apurar questões relacionadas aos prejuízos dos clientes da empresa. Também que já recebeu 322 ofícios de reservas de crédito na ação penal.
Segundo a Justiça Federal, “até o momento, em relação a ambas as empresas, não foi formado concurso de credores e ambas as ações penais encontram-se em fase de instrução”.
GZH tenta falar com os advogados que defendem os interesses das empresas e dos seus sócios.