O menino tímido, estudioso e que não dava trabalho na escola perdeu a vida por desobediência. Na madrugada fria de 15 de maio de 2020, Rafael Mateus Winques, 11 anos, foi morto por asfixia e teve o corpo arrastado até a casa vizinha em Planalto, no norte do Estado. Em uma das quatro versões que deu para o que aconteceu naquela noite, a mãe, Alexandra Dougokenski, 33 anos, confessou que assassinou o filho após repreendê-lo por ter passado diversas noites em claro jogando no celular.
Teria dado dois comprimidos de Diazepam ao menino, ido para a cama e, ao acordar-se durante a madrugada e ver que o garoto ainda não havia dormido, teria tirado a vida do filho com corda de varal. Horas depois, registrou ocorrência pelo desaparecimento de Rafael e mobilizou, por 10 dias, Conselho Tutelar, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil, família e amigos a procurar pela criança.
No primeiro aniversário da morte de Rafael, o desfecho trágico da criança deixa uma ferida ainda aberta para quem conviveu com o garoto. A madrinha Rozemar Winques, 34 anos, conta que nas vezes em que o afilhado a visitou em Bento Gonçalves, a mãe não o deixava jogar bola no campinho de futebol em frente a sua casa.
Alexandra não queria que o filho se misturasse com outros meninos.
— E acabou que foi ela quem fez tudo isso. Espero que ela nunca mais saia da cadeia. Uma mãe fazer isso é muito triste. A nossa dor é muito pesada. Alexandra sempre foi uma pessoa fria, mas eu não a julgava como mãe. Jamais imaginei que faria algo assim — disse Rozemar.
Quando estava na casa da dinda, Rafael era quieto, aceitava com um sorriso tudo que lhe era oferecido e sua discrição às vezes fazia os demais esquecerem que ele estava no mesmo ambiente que os adultos.
— Ele foi um anjo para nós que só deixou lembranças boas. Não dava trabalho nenhum. Imagino o quanto não sofreu na mão dessa doente — acrescentou a madrinha.
Processo pronto para ir ao Tribunal do Júri
Polícia Civil e Ministério Público apontam que Alexandra Dougokenski assassinou Rafael Mateus Winques em 15 de maio do ano passado e ocultou o corpo em uma caixa de papelão na garagem da residência ao lado. A mãe é ré por homicídio doloso, ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual. Um ano depois do crime, o processo criminal está pronto para ser submetido ao Tribunal do Júri. Durante o período de instrução, foram ouvidas 23 testemunhas. O Tribunal de Justiça trabalha na preparação do julgamento que deve durar de cinco a seis dias. A situação da pandemia influencia na definição da data e do local, que deverá seguir protocolos sanitários e de distanciamento.
Estamos convencidos de que a verdade do que aconteceu foi o que colocamos na denúncia: Alexandra agiu sozinha, premeditou sozinha e executou sozinha. Depois de ter ocultado o cadáver, registrou falsamente um boletim de ocorrência quando, na verdade, sabia que tinha matado o filho e o corpo estava do lado de casa.
MICHELE KUFNER
Promotor a de Planalto
— Estamos convencidos de que a verdade do que aconteceu foi o que colocamos na denúncia: Alexandra agiu sozinha, premeditou sozinha e executou sozinha. Depois de ter ocultado o cadáver, registrou falsamente um boletim de ocorrência quando, na verdade, sabia que tinha matado o filho e o corpo estava do lado de casa. Também praticou fraude processual ao tentar induzir a investigação e despistar delegados, criando provas falsas, entre elas a do calendário que Rafael teria circulado a data em que desapareceu — afirma promotora de Planalto, Michele Kufner.
Na investigação, Alexandra tentou sugerir que a culpa era do irmão que morava em frente a sua casa, depois disse que havia matado Rafael por acidente ao dar Diazepam para acalmar o menino _ tese que foi descartada pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Mais tarde, admitiu que tirou a vida do menino pois ele não a obedecia. Por último, escreveu carta na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba acusando o pai do menino, Rodrigo Winques, de ser o autor do crime. A investigação comprovou que Winques estava em Bento Gonçalves e em municípios da Serra na noite da morte e nos dias que a antecederam por meio de quebra de sinal de telefone e análise de movimentação de pacote de dados. A mudança das versões de Alexandra, na visão do promotor Diogo Taborda, só reforça que é a responsável pelo crime:
— Desde o início, a acusação sempre foi a mesma e essa que vai para o plenário do júri. O fato da Alexandra trazer versões diferentes ao longo do processo só demonstra que ela está desesperada para se livrar de responsabilidade que ela sabe que tem. Ela sabe que matou o filho. Derrubamos todas essas versões e conseguimos comprovar com testemunhas, prova pericial. Não se baseia em ilações e achismos, está comprovado.
Mãe perfeccionista e controladora
Traçar o perfil psicológico de Alexandra foi fundamental para a Polícia Civil e, na sequência, o MP, chegarem a motivação do crime. Alexandra é metódica, controladora e perfeccionista. Dentro de casa, tinha anotado todo estoque de comida, a disposição dos cabides obedecia padrão e as roupas eram separadas por cor no roupeiro. Orgulhava-se da educação rígida que dava aos dois filhos e de como ambos eram obedientes. Detalhe que chamou a atenção da promotora quando visitou Alexandra, antes de o corpo ser encontrado:
— Num determinado ponto da conversa, ela disse que se mandasse os filhos desligarem a TV, poderia deixar o controle remoto na mesinha de centro que tinha certeza de que não o pegariam para ligar. Conseguia manter essa rigidez e não expressava nenhum tipo de emoção. Tinha necessidade de controle, quando Rafael começou a desafiar o poder dela dentro de casa, passou a pensar em meios de o controlar de forma mais efetiva. Quando ela vê que não adiantava tirar o celular, conversar, começa a pensar em formas de eliminá-lo.
O irmão mais velho de Rafael, de 17 anos, estava na casa no momento do crime. Em depoimento, disse que ouviu movimentações, porta do quarto abrindo e luz acesa, mas não deu importância pois achou que o irmão tinha ido ao banheiro. Na leitura de Taborda, são provas de que Alexandra agiu sozinha:
— Ela matou o menino por ele não acatar as ordens dela.
Contraponto
À frente da defesa de Alexandra, Jean Severo afirma que a mãe vai negar a autoria do crime e manter a versão de que o culpado pela morte de Rafael é o pai da criança.
— Rodrigo foi buscar o menino, que não gostava do pai. E isso será explicado no júri. E acabou atando e puxando-o muito forte e ele veio a óbito. E ela escondeu e sofreu durante dez dias porque foi ameaçada. Porque se contasse o ocorrido Rodrigo ia matar ela, o filho mais velho e o namorado da Alexandra na época. Apuramos que outros celulares que ele possui estavam próximo a Carazinho na noite do crime. Ele registrava o celular em CPFs de outras pessoas. Está cada vez mais claro que ele estava em Planalto na noite do crime. Temos certeza da inocência da Alexandra e ela sairá absolvida.