Na tarde da terça-feira, 30 de março, Dozolina Libera Dapont, 67 anos, voltava com o marido de uma feira de agricultores da comunidade de Galópolis, em Caxias do Sul, na Serra, onde morava. O casal se preparava para embarcar no carro e retornar para casa. Naquele momento, criminosos que tentavam roubar o veículo abordaram os dois. Um deles atirou na direção das vítimas. Baleada no rosto, a idosa se tornou a décima pessoa a ser morta em assalto no Rio Grande do Sul no terceiro mês do ano.
Ao contrário da maior parte dos indicadores, os latrocínios tiveram aumento significativo em março no Estado. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, foram 10 casos, enquanto no mesmo período do ano passado tinham sido dois – aumento de 400%. A polícia não consegue apontar um motivo específico para esse acréscimo, já que, no mesmo período, os assaltos em geral reduziram quase 40%.
— No momento em que se investiga e coíbe o roubo com arma de fogo, tende a causar diminuição nos latrocínios. E os roubos vêm diminuindo. Mas nem sempre a lógica se concretiza no latrocínio. O que podemos fazer, principalmente, é tentar evitar esses crimes, que podem terminar num latrocínio, e identificar autores, quando infelizmente eles acontecem — afirma o subchefe da Polícia Civil, delegado Fábio Motta Lopes.
Na maioria dos casos, em seis deles, assim como no crime que resultou na morte de Dozolina, os criminosos atacaram as vítimas para roubar o veículo. Foi assim também com o motorista de aplicativo Nelson Hiroyuki Haro, 53 anos, morto em Porto Alegre. No dia 19 de março, ele havia acabado de deixar uma passageira, no bairro Cascata, na Zona Sul, quando foi surpreendido pelos assaltantes e alvejado com tiros de pistola.
Natural de Pacaembu, no interior de São Paulo, de ascendência japonesa, Haro vivia em Porto Alegre há mais de uma década, trabalhava como motorista de aplicativo desde o primeiro semestre do ano passado, quando ficou desempregado durante a pandemia. Chegou a ter uma empresa de instalação e manutenção de ar condicionado, mas o negócio também foi afetado. Sempre de bom-humor, era pai de duas filhas.
— Era uma alma muito gentil, uma pessoa calma, um pouco tímido. Um paizão. Se ele pudesse, te ajudava. Estava sempre batalhando, lutando. Era muito calmo. Muito tranquilo. Podia ter o problema que tivesse, mas estava sempre sorrindo. Ele não reagiu, tenho certeza. Pode ter se assustado, eventualmente. Mas era uma pessoa muito calma — diz o empresário Regis Sander, 38 anos, que se tornou amigo de Haro após trabalharem na mesma empresa.
Assim como nos assaltos em geral, os roubos de veículo também reduziram em março – 44% em relação ao mesmo período do ano passado. Ainda assim, também na Capital, Lucas Silva de Souza, 20 anos, estava na carona de um carro quando foi baleado no bairro Rubem Berta. O jovem, que deveria completar 21 anos pouco mais de uma semana depois, chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
No mesmo bairro, dois dias antes, uma idosa de 83 anos também foi vítima de latrocínio, mas em outro contexto. Nelza Netto da Fonseca foi encontrada morta dentro de casa. Dos 10 latrocínios de março, três aconteceram em assaltos a residências. Segundo a polícia, a vítima foi morta por esganadura. A investigação apontou um neto da idosa como suspeito. Preso, ele acabou confessando o crime e admitiu ter roubado uma televisão para trocar por drogas.
Ao contrário deste caso, onde havia vínculo entre a vítima e o autor confesso, na maioria dos latrocínios não há essa relação. Os alvos são muitas vezes escolhidos de forma aleatória. Isso torna a investigação mais complexa. Ainda assim, a Polícia Civil afirma que, dos 10 casos ocorridos em março, sete já estão esclarecidos – pelo menos dois deles já tiveram o inquérito remetido ao Judiciário.
— Esses de março, apesar de serem casos bem recentes, estão com elucidação que consideramos boa. Claro que gostaríamos que esses crimes não tivessem acontecido, não queríamos nenhuma morte. Mas 70% já estão esclarecidos num curto espaço de tempo — afirma o subchefe da Polícia Civil.
Comoção
Outro crime que está em fase final de investigação é a morte de um jovem na Região Sul. Único dos casos em contexto diferente dos demais. Jorge Augusto Azevedo do Evangelho, 24 anos, trabalhava na empresa que faz o transporte de veículos entre São José do Norte e Rio Grande. O rapaz acabou alvejado num assalto na saída da balsa. A morte do jovem, recém-casado e na espera pelo primeiro filho, gerou protestos em São José do Norte, onde foi realizada carreata pedindo mais segurança.
No caso de Dozolina, em Caxias do Sul, a comunidade onde ela vivia também encontrou forma de protestar. O bairro onde ela foi morta é considerado pacato. O crime chocou os moradores, que estenderam faixas pretas em frente às residências, como sinal de luto e protesto. Outra idosa também foi morta em março, num crime que comoveu um município de 5,6 mil habitantes, no noroeste do RS. Renita Volz Krause, 82 anos, foi encontrada morta dentro de casa na área central de Tucunduva. A filha da idosa encontrou a residência revirada e o corpo da mãe, enrolado em cobertas, embaixo da cama.
— É uma cidade que não tem altos índices de criminalidade e, mesmo assim, teve um latrocínio — afirma Lopes, sobre o município que em 2021 não teve nenhum outro caso de roubo ou homicídio e apenas 10 furtos.
Sobre os fatores que podem levar um assalto a terminar com um desfecho trágico, o delegado diz que pode envolver diferentes cenários, desde um criminoso afoito, que acaba disparando nas vítimas, como algum movimento que possa ser interpretado como reação ou fuga. Em outros casos, como nos roubos a residências, onde não se obtém imagens de câmeras ou testemunhas, por exemplo, nem sempre se consegue entender a dinâmica. Nos 10 casos de março, todos os suspeitos identificados até agora tinham antecedentes por outros crimes. Metade das vítimas foram mortas a tiros.
— Por vezes, são criminosos drogados ou afoitos. Em alguns casos, querem mostrar poder e força. Ou a vítima tenta abrir o carro e o assaltante não tem paciência. O criminoso pode interpretar como reação aquilo que nem sempre é. Isso sem colocar culpa na vítima, claro. A culpa nunca é da vítima. Mas são muitos fatores. Não há uma regra absoluta. É um crime complexo — diz o delegado.
OS CASOS
Dia 3 – Lajeado
Vilso Francisco Merlo, 59 anos, foi encontrado morto com golpes de faca no pescoço, dentro de uma Strada, no bairro Planalto, no município do Vale do Taquari. A partir de imagens de câmeras de segurança, a Polícia Civil identificou um suspeito. A conclusão de uma perícia para otimização da imagem é aguardada. A partir do material, deve ser feito auto de reconhecimento com uma testemunha.
Dia 5 – Porto Alegre
Nelza Netto da Fonseca, 83 anos, foi encontrada morta por esganadura dentro de casa, na Rua Major Manoel José Monteiro, no bairro Rubem Berta. A investigação apontou o neto, visto por testemunhas entrando na residência na noite anterior, como suspeito. Quando foi ouvido pela polícia, confessou ter matado a avó e roubado uma televisão para trocar por drogas. O autor confesso está preso preventivamente. O inquérito foi remetido ao Judiciário no dia 15.
Dia 7 – Porto Alegre
Lucas Silva de Souza, 20 anos, estava na carona de um veículo quando foi baleado no rosto na Rua Rev. Olavo Nunes, também no bairro Rubem Berta. O crime aconteceu quando dois homens em uma motocicleta abordaram o Clio, no qual ele estava com outros dois jovens. O motorista parou o carro e um dos criminosos na motocicleta disparou. A investigação identificou um suspeito, que foi preso no dia 10 de março, e o outro está identificado.
Dia 17 – Gravataí
O policial militar Cristian da Rosa Oliveira, 36 anos, foi morto a tiros em uma tentativa de roubo do veículo dele, no bairro Morada do Vale II. O PM estava de folga, dentro do carro, quando foi abordado por três criminosos. Ele baleou um dos assaltantes, mas acabou atingido por disparos de um dos comparsas, pelo lado do carona. Os ladrões fugiram levando a arma do policial, que foi recuperada durante a investigação. Foram presos o suspeito de ser o motorista do bando e outro, que teria auxiliado o trio após a fuga. Na sequência, foi preso o suspeito de ter sido o assaltante baleado e apreendido um adolescente de 17 anos, apontado como autor dos tiros.
Dia 18 – Nova Petrópolis
Josef Paulo Lüdke, 65 anos, foi localizado ferido na sua propriedade, um sítio para realização de eventos, no município da Serra. O empresário foi atingido com golpes na cabeça. A partir de câmeras de segurança e outras apurações, a polícia localizou e prendeu o suspeito. Ele havia sido contratado para fazer a jardinagem na propriedade. Na casa dele, foram encontrados objetos da vítima. O suspeito, que admitiu ter matado o idoso, alegou legítima defesa, e segue preso preventivamente. O inquérito foi remetido ao Judiciário em 26 de março.
Dia 18 – Bom Retiro do Sul
Um caso que iniciou como um incêndio no Vale do Taquari acabou revelando um latrocínio. Verner Diedrich, 65 anos, foi encontrado carbonizado dentro da própria casa incendiada. O veículo da vítima não estava na garagem e foi encontrado depois, também incendiado, em meio a uma plantação, no município Fazenda Vilanova. A investigação ouviu testemunhas e obteve medidas cautelares para quebra de sigilo telefônico e das redes sociais de suspeitos investigados. Os detalhes não são divulgados, para não atrapalhar a apuração.
Dia 19 – Porto Alegre
O motorista de aplicativo Nelson Hiroyuki Haro, 53 anos, foi baleado por assaltantes, no bairro Cascata. Um vídeo obtido pela investigação mostra que um dos ladrões se aproxima do carro, e Haro tenta fugir dando ré. O bandido atirou seis vezes com uma pistola. A investigação identificou quatro suspeitos. Dois deles, de 21 e 25 anos, tiveram a prisão decretada - um foi preso. Um adolescente que, na época do crime estava prestes a completar 18 anos, teve mandado de internação decretado. A polícia pediu ainda a prisão de uma mulher, suspeita de estar dirigindo o veículo, mas a solicitação foi negada pela Justiça.
Dia 26 – São José do Norte
Jorge Augusto Azevedo do Evangelho, 24 anos, foi morto a tiros durante um assalto no município do sul do RS. Ele era genro de um dos proprietários da balsa que transporta veículos entre São José do Norte e Rio Grande. O jovem foi morto no atracadouro, por volta das 21h, e uma mochila foi levada. Um suspeito foi preso e confessou ter sido o autor do crime. Segundo a Polícia Civil, o investigado segue preso preventivamente e o inquérito está em fase de finalização.
Dia 27 – Tucunduva
Renita Volz Krause, 82 anos, foi encontrada morta dentro da própria residência na área central do município, no noroeste do RS. A vítima foi localizada pela filha, que foi até o local visitar a mãe. Ela deparou com a casa revirada e o corpo da idosa. Segundo a Polícia Civil, um suspeito do crime foi identificado a partir de vestígios obtidos no local e do depoimento de testemunhas. O caso segue em apuração.
Dia 30 – Caxias do Sul
Dozolina Libera Dapont, 67 anos, foi baleada durante tentativa de roubo do veículo em que estava com o marido na Serra, onde residia. A idosa chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Em buscas realizadas logo após o crime, a Brigada Militar prendeu em flagrante um suspeito de 20 anos, uma mulher de 27 e apreendeu um adolescente de 17. Em seguida, foi presa outra mulher de 30 anos, depois de a BM localizar no porão da casa dela uma mochila com a arma do crime e porções de drogas. Um quarto suspeito, um adolescente de 16 anos, teria fugido para um matagal e acabou morto durante confronto com os PMs.
Os dados
Em 2021, janeiro manteve o mesmo número de latrocínios na comparação com o mês no ano passado. Em fevereiro, foram seis casos a menos do que no mesmo período em 2020 – dois latrocínios, enquanto no ano passado tinham sido oito. O mês de março foi o primeiro no trimestre a ter aumento. Se olharmos os primeiros três meses juntos, também há aumento, de 15 para 17 casos, em comparação com o ano passado.
Em 2020, os dados de latrocínios oscilaram no comparativo com 2019. Nos meses de fevereiro, junho, julho, setembro e outubro houve aumento e nos outros sete meses houve queda. O mês de março do ano passado concentrou o menor número de casos em todo o ano, com dois latrocínios. Aquele foi o menor número para o período em toda a série histórica, desde 2002.
Em 2019, os meses de julho e outubro também tiveram apenas dois casos em cada um. Naquele ano, nenhum dos meses chegou a ter 10 latrocínios. Quando se olha para anos anteriores, percebe-se que, de 2017 a 2020, os dados também ficaram abaixo de 10 no mês de março. Somente em 2016, um dos períodos mais complexos para a segurança no Estado, o indicador foi mais alto em março, com 16 casos. Antes disso, em 2013, o mês concentrou 22 assaltos com morte e, em 2014, foram 11.