Prestes a completar um mês à frente do comando-geral da Brigada Militar, o coronel Vanius Santarosa carrega um smartphone com quatro linhas telefônicas. Desde que assumiu o cargo mais cobiçado da BM, acumula as funções operacionais de subcomandante-geral e as administrativas de Chefe do Estado Maior. O aparelho, quando não está no silencioso, apita o tempo inteiro.
— Por aqui acompanho muita coisa em tempo real — avisa, apontando para o telefone.
Nos próximos dias, devem sair as promoções para coronel que lhe darão dois novos auxiliares. Número dois durante a gestão do coronel Rodrigo Mohr, Santarosa foi promovido com a saída do antecessor – amigo pessoal com quem traçou metas em conjunto para o comando-geral. O trabalho daqui em diante, ele garante, será de continuidade com foco na redução dos indicadores criminais:
— Apesar de estarmos reduzindo muito os índices, ainda estão muito aquém do ideal.
Internamente, também encara outros desafios como aprovar a mudança no plano de carreira dos praças – a falta de perspectiva de promoções tem motivado protestos de policiais de nível médio –, modernizar armamentos e viaturas e pulverizar o treinamento de policiais que estejam atentos à saúde mental da tropa.
Filho de produtores de uva de Linha São Pedro, no interior de Bento Gonçalves, almejava ser piloto de avião mas foi convencido pelo pai a virar oficial da BM. Em 34 anos na corporação, realizou o sonho de ambos. Passou 15 anos atuando na aviação da BM, com habilitação de piloto privado, comercial, de linha aérea, instrutor, examinador e representante da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para renovação da carteira de habilitação. De 2013 a 2016, chefiou o Centro de Formação dos Pilotos da BM em Capão da Canoa.
Todo dia acontecem em média cinco confrontos com a BM no RS. Quando a guarnição suspeita de um veículo, faz o cerco, dá a voz de prisão e se o criminoso optar pelo confronto, o policial tem de reagir.
CORONEL VANIUS SANTAROSA
Comandante-geral da BM
Parou de voar em 2017 quando foi promovido a tenente-coronel e foi deslocado para o comando no Vale do Sinos. Em 2019, foi chamado para ser chefe de operações. No cargo, planejou o policiamento da Copa América que ocorreu no mesmo ano. Depois do evento, chegou ao posto de coronel e comandou o Departamento de Informática até virar subcomandante-geral. Desde 1º de abril, é comandante-geral da BM. Em conversa com GZH no QG da BM, falou sobre os planos e os desafios do novo cargo.
O que mudou na sua rotina de subcomandante pra comandante-geral?
Não mudou muita coisa, mas ganhei mais serviço. É muito mais papelada para assinar, sigo na parte operacional, falando com todos os comandantes regionais. A ideia é agregar subcomandante e chefe do Estado Maior que mantenham nossa linha de trabalho, focada em treinamento, dar mais recursos para facilitar trabalho do policial na rua.
Ao assumir, o trabalho será de continuidade ao que vinha sendo feito. Qual sua principal meta?
Sim. Continuar a redução dos indicadores criminais. Fornecer equipamentos de melhor qualidade e mais proteção ao nosso policial. Estamos comprando mais coletes, mais viaturas blindadas. Foco na saúde mental da tropa e queremos melhorar a carreira dos praças, fazer algumas modificações.
Qual o indicador que mais lhe preocupa?
Homicídios, latrocínios e feminicídios. O crime contra vida é uma perda irreparável. Nossas ações estão muito focadas nesses crimes. Estamos estudando os homicídios, caso por caso. Uma boa parcela das vítimas tem envolvimento com uso ou tráfico de drogas. Nos feminicídios, trabalhamos com a Patrulha Maria da Penha, quase duplicamos essas patrulhas.
Ao contrário da maior parte dos indicadores, os latrocínios tiveram aumento significativo em março no Estado. Foram 10 casos, enquanto no mesmo período do ano passado tinham sido dois – aumento de 400%. O que aconteceu?
Estamos estudando essa sazonalidade e o porquê. Olhando caso a caso. Se houve reação da vítima. Tentando entender o que é o fato motivador. Não é algo que vinha sendo comum. Foi algo bem pontual. Da nossa parte também fazemos ações pra tentar impedir, mais ostensividade da tropa, mais abordagens, mais ação, presença e reforço em locais onde tenham acontecido esses crimes. Alvorada, Viamão, Caxias do Sul e Bento Gonçalves são cidades onde isso tem acontecido.
GZH revelou ontem que 27 policiais militares foram indiciados por formação de milícia, corrupção e ligação com criminosos no Batalhão de Alvorada. Como pretende lidar com casos como esse?
É um trabalho que venho acompanhando desde o ano passado, foi um caso herdado do comando-geral anterior (do coronel Mário Ikeda). São quase 3 mil páginas de investigação e nós não vamos compactuar com esse comportamento. Vamos apurar na íntegra com todo rigor que a lei permite. Tem outras ações acontecendo, em outras regiões, que estão em investigação. Policiais com desvio de conduta não serão perdoados. Esse tipo de policial com desvio de conduta não pode estar servindo na frota com nosso efetivo.
Os policiais envolvidos foram afastados?
A grande maioria dos envolvidos está afastada da atividade de policiamento por causa da investigação e está em funções administrativas. Com a conclusão da investigação, ela vai para Justiça Militar, MP vai avaliar e, paralelo a isso, iremos instalar conselhos disciplinares em que irão avaliar a permanência ou não desses policiais na corporação. A punição pode ir de uma repreensão até a exclusão. Se ficar comprovado que esses policiais divergiram do nosso padrão de conduta, não ficaremos com eles na tropa.
Dois episódios recentes de bonecos usando farda da BM na RS-118 são considerados manifestações que demonstram descontentamento dos praças, um dos principais deles é com a demora para implementação do plano de carreira. Como enxerga essa insatisfação?
Detectamos isso já no ano passado, nos reunimos com as entidades e construímos uma melhoria do plano de carreira, pegamos muitas sugestões deles. Isso está bem encaminhado. Essa proposta está com o vice-governador para tentar pôr em prática essa melhoria. Nosso pleito é de que a forma de progressão de carreira dos praças seria exatamente igual ao dos oficiais. Ele está simpático a essa proposta. Acredito que esse ano vamos dar andamento, mas pelo fato de necessidade de alterar legislação estadual deve entrar em vigor no ano que vem.
Essas manifestações de boneco não ajudam em nada. Só atrapalham e prejudicam.
CORONEL VANIUS SANTAROSA
Comandante-geral da BM
E como a BM monitora essas manifestações?
Essas manifestações de boneco não ajudam em nada. Só atrapalham e prejudicam. O que ajuda é o profissionalismo do policial. Tem de pleitear e reivindicar, mas não dessa forma. Quando ele expõe em uma farda cheia de espuma, como se fosse um policial amarrado em um poste, ele está expondo a própria imagem.
No dia 18 de abril, após perseguição e troca de tiros, dois homens morreram em confronto com a BM. Dois dias depois, um policial levou um tiro de raspão e outros dois homens também em confronto. Os dois casos em Porto Alegre. A BM tem agido de forma mais violenta?
Não. Todo dia acontecem em média cinco confrontos com a BM no RS. Quando a guarnição suspeita de um veículo, faz o cerco, dá a voz de prisão e se o criminoso optar pelo confronto, o policial tem de reagir. E aí acontecem essas coisas. O policial está bem treinado e equipado e consegue ter êxito. Não tem ação mais violenta, isso é o dia a dia. Não é o desfecho que nós gostamos. Nossa intenção é chegar, fazer a prisão e encaminhar para delegacia. É sempre traumático quando se está na ocorrência, há troca de tiro e tem uma pessoa morta. Nossa ação não é violenta, mas reage a uma agressão violenta por parte deles. Nossa ação é sempre igual, a BM não chega atirando. O que tem aumentado bastante é que grupos entram em confronto com a força policial e aí a probabilidade de um morto é maior.
Quantos policiais já foram vacinados?
91% dos policiais em linha de frente com a primeira dose. Em Porto Alegre, o índice chega a 97%. Os que estão em postos administrativos não foram vacinados. Tem uma parcela que não se vacinou pois tomou a vacina contra H1N1 recentemente, quem pegou coronavírus há menos de 30 dias, grávidas, pessoas que estão em férias e afastadas.