Desde que soube que seria pai, Jorge Augusto Azevedo do Evangelho, 24 anos, dizia à esposa Sharon Dahiana Almeida do Evangelho, 23 anos, que seria menino. O jovem não teve tempo de saber que seu palpite estava certo. Na noite de 26 de março, foi morto a tiros em São José do Norte, no sul do RS, onde vivia. Para a Polícia Civil, ele foi alvejado durante um assalto perto da balsa de travessia até Rio Grande, na qual trabalhava. O caso do rapaz é um dos latrocínios ocorridos no terceiro mês deste ano, quando esse tipo de crime teve aumento de duas para 10 vítimas no Estado, em comparação com o mesmo período de 2020.
O último ano de vida de Jorge Augusto foi intenso: começou a namorar, casou e soube que seria pai. O jovem conheceu Sharon no início do ano passado, quando fazia a travessia com o pai e um irmão. Era um domingo e ela estava trabalhando na empresa do pai, que administra a balsa. Pelas redes sociais, conversaram por três semanas até se encontrarem. Não se desgrudaram mais. Noivaram em setembro e marcaram o casamento. O jovem estava ansioso com a cerimônia, que foi realizada em 23 de janeiro. No começo de fevereiro, descobriram a gravidez.
— Desde o primeiro dia, parecia que nos conhecíamos há muito tempo. Criamos uma ligação. O Jorge Augusto sempre foi romântico. Vivia a vida de forma intensa. E foi assim, tudo muito rápido. Não tinha um dia desperdiçado. Fazia muitas surpresas. Sonhava com nosso casamento. Éramos muito parecidos. Vivi o melhor ano da minha vida e acredito que tenha sido o melhor da vida dele também. Era um amor verdadeiro — descreve Sharon.
Jorge Augusto trabalhou na balsa do sogro, ao lado de Sharon, por cerca de seis meses. Deixou o emprego antigo e seguia conciliando o trabalho com os estudos – cursava Engenharia Elétrica e planejava fazer Engenharia Naval. Antes mesmo de trabalhar oficialmente ali, já ajudava a namorada com o serviço. Após a perda, a jovem, que espera o nascimento do filho para setembro, não conseguiu voltar a viver na casa onde moravam. Optou por ir residir com a sogra, para que ela fique mais próxima do neto.
— Os dias têm sido muito difíceis sem ele. Éramos melhores amigos. Muito parceiros. Já sabíamos o quanto ele era especial, mas com a partida dele, a repercussão que teve, tantas pessoas dizendo o quanto ele era especial na vida de cada um, isso nos deu um certo conforto, em meio a tanta dor — diz a esposa.
Quando descobriram a gravidez, o jovem acalmou a esposa. Disse para Sharon que seria uma benção. Organizou surpresas para a mãe, os avós e o sogro para anunciar a chegada do bebê. Acompanhava a jovem nas consultas, fazia planos. Convicto de que seria um menino, dizia que o Eduardo estava a caminho. Sharon respondia que não tinha preferência, embora no fundo também acreditasse que seria menino.
— Ele já sentia no coração dele. Estava todo bobo. Conversava com o bebê. Mesmo na barriga, meu filho já sentiu esse amor do pai — diz a jovem.
Quando sente muita saudade, apega-se nas declarações de amor que ele costumava enviar e nas fotos guardadas dos momentos juntos. No quarto que pertencia a Jorge Augusto, na casa da sogra, ela agora começa a montar tudo para a chegada do bebê. Guardou a guitarra, a bateria e o violão, na expectativa de que o filho também aprenda a tocar os instrumentos e siga os passos do pai. A confirmação de que se trata de um menino veio dias após a perda do marido. Sharon decidiu que o filho se chamará Eduardo, como o pai queria, mas acrescentou um segundo nome: Augusto.
— Essa criança tem sido um acalento, uma esperança. Está sendo muito esperado, amado por todos. Vai ser um pedacinho do Jorge Augusto. Sempre vou lembrar dessa pessoa maravilhosa que tornou minha vida melhor. A pessoa que mais amei. Que colocava Deus a frente de tudo. Tem tanta gente que vai falar bem do Jorge Augusto para o meu filho. Tenho certeza de que o Eduardo Augusto vai ter muito orgulho do pai que teve. Ele vai ser sempre o amor da minha vida — diz a jovem.
Dedicação à música e igreja
Jorge Augusto cresceu em São José do Norte, de onde era natural. Filho de pais separados, viveu até recentemente com a mãe, mas mantinha contato com os dois. A madrasta Maria Terezinha da Silva Rodrigues, 53 anos, descreve o enteado com afeto. Diz que ele era amoroso e estava muito alegre, na expectativa da chegada do filho.
— É uma dor imensa, pela brutalidade. Um guri novo, trabalhador, bom. Era evangélico. Tocava na banda da igreja. Sempre em função da igreja e do serviço, muito estudioso. Estava numa alegria imensa, por saber que ia ser pai — recorda.
A única coisa que pedimos para Deus é que faça justiça. Tiraram a vida de um rapaz brutalmente. Meu único filho
SUSANA DO EVANGELHO
Mãe
Até o começo deste ano, o rapaz morava com a mãe, a cabeleireira Susana da Silveira Azevedo do Evangelho, 50 anos. Além do trabalho e dos estudos, também se dedicava à música. A mãe desde cedo incentivou que o filho aprendesse a tocar instrumentos. O rapaz era frequentador da Igreja Espaço Cristão e fazia parte de uma banda gospel. Em casa, costumava deixar bilhetinhos para a mãe, lembrando que a amava.
— Era um menino que não tinha dificuldade de dizer eu te amo. Deixou um legado de amor. Muito calmo, sempre respeitou os pais. Amigo dos avós. Atencioso, carinhoso. Deus abençoou ele com muitas coisas. Cumpria as obrigações dele na igreja. A gente vai levando a vida porque Deus está nos conduzindo. Queria terminar a faculdade, formar uma família. Uma coisa que foi interrompida, pela mão de um covarde. A única coisa que pedimos para Deus é que faça justiça. Tiraram a vida de um rapaz brutalmente. Meu único filho — desabafa.
Quando foi alvejado, Jorge Augusto havia saído da empresa e carregava uma mochila nas costas. Dentro dela, havia somente alguns pertences pessoais de pouco valor, além do celular e carteira. O criminoso roubou a mochila e fugiu. Naquela noite, Sharon tinha ido mais cedo para casa porque estava um pouco enjoada, e o jovem havia ficado na empresa. Ele chegou a jantar com o sogro no escritório, antes de voltar até a balsa para pegar a mochila e então seguir até o carro. Neste trajeto, acabou morto pelo assaltante. Após o crime, a comunidade organizou em São José do Norte uma carreata de homenagem e pedindo segurança.
— O que a gente quer é que uma pessoa dessas não saia de lá tão impune. A vida dele como de qualquer outra pessoa é importante. Não destruiu a família da gente porque tem Deus no coração. Mas deixou uma esposa que chora todo os dias. O filhinho que está para nascer. Ele era a nossa base. O que nos sustenta é esse nenê que está para chegar. Acalma o nosso coração. A gente olhar para tudo que é lado e vê ele. As lembranças doem — afirma a mãe.
A investigação
Jorge Augusto estava no atracadouro, quando acabou morto com dois tiros, pelas costas. Segundo a delegada regional Ligia Furlanetto, por meio de imagens de câmeras, a polícia descobriu que o criminoso permaneceu algum tempo acompanhando os movimentos da vítima. Na sequência, atacou o jovem e atirou contra ele. Fugiu levando uma mochila que Jorge Augusto tinha nas costas.
Um dia após o crime, um suspeito de 26 anos foi preso e confessou ter matado o jovem. O nome dele não foi divulgado pela polícia, em razão da Lei de Abuso de Autoridade. Em depoimento, ele alegou que não matou a vítima com intenção de roubar. Afirmou que havia sido destratado pelo jovem durante uma travessia na balsa e que, por isso, decidiu matá-lo. A versão não convenceu os investigadores que acreditam no latrocínio. Segundo a polícia, não havia qualquer relação prévia entre a vítima e o autor confesso.
— Ele admitiu, mas disse que foi por desavenças com a vítima, o que é totalmente contrário a todos os elementos probatórios colhidos durante a investigação — explica a delegada Ligia.
Conforme a policial, o suspeito esteve preso até recentemente e já responde por latrocínio, homicídio e roubo. A polícia segue investigando o caso e apura a possível participação de uma outra pessoa no crime. O inquérito deve ser concluído em breve.