Um gaúcho envolvido no assassinato de um paraense milionário em um hotel de luxo em Nova York (EUA) em 19 de março de 1999 foi preso nesta quinta-feira (25) em São Leopoldo, no Vale do Sinos. Por volta das 17h30min, agentes da 2º Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo capturaram o artista plástico Márcio Fonseca Scherer, 49 anos, condenado a 22 anos pela morte do antiquário João Alberto de Azevedo Sabóia, 56 anos, no Hotel Waldorf Astoria. Scherer estava foragido desde 2003, quando a pena foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
A polícia gaúcha passou a buscar o paradeiro de Scherer em setembro do ano passado, quando um denunciante o reconheceu andando de bicicleta no centro de São Leopoldo.
— Ele o conhecia da infância e sabia da história do crime nos EUA. Então nos forneceu o nome do preso. Com essas informações, montamos a operação. Várias diligências foram feitas até que descobrimos a casa onde vivia. Fizemos campana o dia inteiro até que no final da tarde o vimos na área desta casa — explica o delegado Ivair Matos Santos, titular da 2ª DP de Novo Hamburgo.
Scherer tentou fugir pelos fundos da casa, mas foi capturado a duas quadras da residência. Ao longo dos últimos cinco meses, a polícia enfrentou dificuldade para localizá-lo. O gaúcho não tinha imóveis nem veículo no nome e não emitia segunda via de documentos. A foto de Scherer no sistema integrado da polícia gaúcha é a de quando ainda era adolescente.
Os policias tinham a informação de que o foragido estava na faixa etária dos 50 anos, era alto – Scherer tem 1m94cm –, loiro e de olho claro. Não mantinha perfis nas redes sociais e não aparecia em fotos de familiares. Foi buscando endereços de parentes que os agentes chegaram até a localização exata do foragido.
O mandado de prisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é válido até 2023 – quando a pena seria prescrita. Scherer permanece detido na DPPA de Novo Hamburgo aguardando vaga no sistema prisional. Deve ser levado para penitenciárias de Sapucaia do Sul ou Canoas, na Região Metropolitana. Quando cumprir um sexto da pena, poderá pedir progressão para o regime semiaberto.
Vida no Rio e crime no Exterior
Scherer viveu por oito anos no Rio de Janeiro na década de 1990. Era artista plástico, modelo e tentava decolar na carreira de ator. Em 1996, chegou a fazer figuração para a novela Salsa e Merengue, da Rede Globo. Circulando na elite carioca e conhecido por artistas, em março de 1999, Scherer, então com 27 anos, viajou para os Estados Unidos como acompanhante do milionário João Sabóia, natural de Belém (PA) e proprietário de um antiquário na cidade.
Ele o conhecia da infância e sabia da história do crime nos EUA. Então nos forneceu o nome do preso. Com essas informações, montamos a operação. Várias diligências foram feitas até que descobrimos a casa onde vivia.
IVAIR MATOS SANTOS
Delegado de Novo Hamburgo
O gaúcho recebeu US$ 500 por cada um dos nove dias que passaria com o empresário nos EUA num roteiro que incluía seis dias em Atlantic City e três em Nova York. Na última etapa da viagem, após uma discussão, Scherer matou Sabóia dentro do luxuoso Hotel Waldorf Astoria. Temendo ser julgado pela justiça americana, adiantou o retorno ao Brasil e fugiu para o Rio Janeiro, onde assumiu a autoria do crime. O corpo do empresário só foi encontrado no dia seguinte. O crime foi julgado pela justiça brasileira por tratar-se de um caso de extraterritorialidade condicionada — quando um brasileiro mata outro brasileiro no Exterior, o processo é de competência do local de residência do réu.
Na denúncia do Ministério Público consta que, após matar o empresário, Scherer subtraiu aproximadamente U$$ 30 mil, relógios, joias, bolsa de viagem e passagem aérea de retorno ao Brasil. A Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o caso se tratava de um latrocínio – roubo com morte – e em 2002 condenou o réu a cumprir 22 anos em regime fechado.
Quando teve prisão preventiva decretada, o artista plástico chegou ficar nove meses preso no Rio Janeiro, mas a defesa conseguiu habeas corpus para o gaúcho aguardar em liberdade o julgamento em segunda instância. A pena foi confirmada em 2003 e, até a tarde desta quinta-feira, Scherer era foragido. Advogado do gaúcho, Paulo Gall sustenta que a condenação do cliente por latrocínio foi injusta:
— Esse era o típico crime para ir ao Tribunal do Júri, ele não negou o fato, mas negava o roubo. Ele não matou para roubar, matou se defendendo de uma agressão entre pessoas que estavam se relacionando no Exterior. Não havia intenção nenhuma na morte, ele já havia recebido pela viagem, foi uma ação provocada por uma irritação de João.
Sabóia e Scherer assistiriam juntos à luta de boxe entre Evander Holyfield e Lennox Lewis, em Nova York, no dia seguinte à data da morte. A discussão que culminou com o assassinato do empresário iniciou, segundo Gall, por Scherer ter feito um programa com outra pessoa em Nova York. Na versão sustentada pela defesa, a briga começou por ciúmes. Sabóia teria pego um furador de gelo e atacado Scherer, que teria sofrido um corte na mão direta. No segundo golpe, o réu teria revidado e atingido uma das artérias carótidas da vítima. Sabóia morreu no local e o corpo só foi encontrado quando amigos do empresário foram buscá-lo para assistir a luta de boxe.
Esse era o típico crime para ir ao Tribunal do Júri, ele não negou o fato, mas negava o roubo. Ele não matou para roubar, matou se defendendo de uma agressão entre pessoas que estavam se relacionando no Exterior. Não havia intenção nenhuma na morte, ele já havia recebido pela viagem, foi uma ação provocada por uma irritação de João.
PAULO GALL
Advogado de Scherer
— Márcio se assustou com aquilo e fugiu para o Brasil com medo da pena de morte — afirma Gall.
Natural de São Leopoldo, Scherer é de uma família tradicional da cidade. Foi criado pelos avós, é bisneto de Theodomiro Porto da Fonseca, prefeito do município por 16 anos (1928-1944) e neto do general do Exército Mário Fonseca. Segundo o advogado, residia em São Leopoldo há 18 anos. Casou, teve dois filhos, vivia com a família e mantinha uma rotina discreta no Cristo Rei, bairro de classe média alta, a duas quadras da 1ª Delegacia de São Leopoldo.
Nos últimos anos, estava dedicado a produção de esculturas de ferro e aço inoxidável e chegou a fazer exposições em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Uma delas ocorreu em junho de 2018 na Câmara de Vereadores da Capital em uma mostra de 12 peças. Usava o nome artístico de Mark Fonser.
— Ele é um cidadão comum que cometeu um delito no Exterior e voltou ao seu país — resume o defensor.