Seis meses depois de ser atingido por uma bala perdida quando estava no colo da mãe, Erick Boeira, dois anos e dois meses, já engatinha, para em pé e come sozinho. A família Boeira Pena, de Passo Fundo, no Norte, teve sua vida virada no avesso na noite de 21 de agosto do ano passado, quando, a bordo de um Gol vermelho, dobrava a esquina de casa no bairro São Luiz Gonzaga e viu o caçula ser atingido com um tiro na cabeça. Na época, a criança tinha um ano e nove meses.
Após 33 dias internado, duas cirurgias e uma semana de sedação no centro de terapia intensiva (CTI) do Hospital São Vicente de Paulo, Erick teve uma recuperação improvável. À família, os médicos davam 98% de chance do quadro da criança evoluir para morte cerebral. O bebê chegou em coma à instituição, após ter o primeiro atendimento no Hospital de Clínicas de Passo Fundo. A bala entrou do lado direito, atrás do ouvido, e se alojou no meio do cérebro, do lado esquerdo. Depois de uma semana desacordado e sob medicação para a diminuição do metabolismo cerebral, o bebê passou a apresentar evolução do quadro e começou a acordar gradativamente.
Em casa desde o final de setembro, Erick se recupera com a supervisão dos pais e a companhia do irmão mais velho, Enzo, quatro anos. O próximo desafio da criança, que deu os primeiros passos com 11 meses, é voltar a andar.
— Ele não caminha ainda, mas está melhorando dia a após dia. Evoluiu muito e já brinca com o mano. A recuperação está mais rápida do que a gente imaginava. Come de tudo e sozinho. Ele voltou ao que era antes, só a parte motora que ainda não recuperou por completo — afirma o pai, o gesseiro Robson Boeira, 33 anos.
Parte do tratamento de Erick inclui fisioterapia três vezes por semana. Os esforços são concentrados em recuperar os movimentos e a força dos membros do lado esquerdo do corpo, debilitados após o tiro. A criança mantém acompanhamento com pediatra e neurologista e toma apenas um medicamento diário, para evitar convulsões.
Carinho da comunidade
A vida da família mudou desde que Erick voltou do hospital, a criança exige mais atenção e a superação do menino despertou a curiosidade de vizinhos e desconhecidos. Toda vez que é reconhecido na cidade, o garoto é observado com olhares de perplexidade.
— Temos contato com pessoas de longe que mandam mensagem querendo saber dele, a história sensibilizou muita gente. Algumas passavam na frente de casa para ver se enxergavam ele. Fomos levá-lo para cortar o cabelo e quando ele foi reconhecido, o cabeleireiro ficou emocionado. As pessoas criaram um carinho — conta a mãe, a dona de casa Juliana Lima Rodrigues, 31 anos.
Devido a pandemia, a família não comemorou o aniversário de dois anos do garoto, em 23 de novembro, mas espera que neste ano possa reunir amigos e familiares para uma festa. A cada novo movimento do filho, os pais vibram. Erick consegue descer do sofá e da cama, para de pé apoiado no portão ou se equilibra sozinho. A partir de agora, a criança vai começar a usar uma bota ortopédica e uma tala na mão esquerda para auxiliar na reabilitação.
— Achávamos que ele teria algumas restrições, que iria precisar de sonda para se alimentar, mas não. Quando ele voltou do hospital, não mexia praticamente nada do lado esquerdo e caia para o lado quando sentava. Fomos surpreendidos por essa recuperação. No começo da fisioterapia, não conseguia engatinhar e agora circula pela casa toda, brinca. Fala de tudo e se expressa muito bem. Ele é superesperto, adora ver desenho e brincar com o irmão. Ele não mudou a personalidade, voltou a ser a mesma criança. O mano conta os minutos para ele voltar a andar e sempre pede isso nas orações — relata a mãe.
Olho para o meu filho e, às vezes, nem acredito que ele está com a gente depois de levar um tiro com a gravidade que foi.
JULIANA LIMA RODRIGUES
Mãe de Erick
Além de se esforçar para a recuperação do caçula, a família também lida com o trauma do que viveu na noite de 21 de agosto do ano passado. Trocaram de veículo e, nos primeiros meses, evitavam sair à noite.
— Passar no local onde tudo aconteceu, especialmente à noite, me dá uma sensação ruim, faz lembrar de tudo. Com o tempo vai passando. Foi um susto muito grande. A família se uniu muito mais. Já éramos bem apegados, mas isso aumentou. Olho para o meu filho e, às vezes, nem acredito que ele está com a gente depois de levar um tiro com a gravidade que foi. Os médicos mesmo nos disseram que ele tinha chances de sequelas graves, como ele é muito novo, não nos deram um diagnóstico certo.
Autor confesso responde a processo em liberdade provisória
Cinco dias após o crime, Tailor Rodrigues Fortes, 31 anos, apresentou-se à polícia e admitiu que realizou três disparos na noite do dia 21 de agosto de 2020. Em depoimento, o autor confesso afirmou que estava caminhando acompanhado de um casal quando dois homens ameaçaram atacá-lo com uma faca. Foi então que efetuou os disparos. Segundo ele, um tiro foi efetuado para o alto e dois em direção à dupla.
A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Passo Fundo, indiciou o homem por tentativa de homicídio e porte ilegal de arma. O Ministério Público ofereceu denúncia em 3 de setembro por tentativa de homicídio qualificado.
Fortes foi preso preventivamente e detido no Presídio Regional de Passo Fundo em 26 de agosto. Recolhido, pediu transferência para o Presídio Estadual de Carazinho. Em 26 de janeiro de 2021, em audiência, a 1ª Vara Criminal de Passo Fundo concedeu o benefício de Fortes responder o processo em liberdade provisória.