A vida da família Boeira Pena virou do avesso na noite de 21 de agosto quando estavam dobrando a esquina de casa no bairro São Luiz Gonzaga, em Passo Fundo, no norte do Estado. A bordo de um Gol vermelho, o caçula Erick, de um ano e nove meses, foi atingido com um tiro na cabeça, quando estava no banco de traseiro, no colo da mãe. A Polícia Civil apurou que a família não era o alvo dos disparos. Após ficar uma semana entre vida e a morte no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital São Vicente de Paulo e passar por duas cirurgias, o bebê foi para o quarto. Três semanas após ser vítima de uma bala perdida, o menino apresenta recuperação que até a equipe médica julgava improvável.
Os pais de Erick e a avó materna se revezam para acompanhar menino, internado na pediatria. O pequeno recebe medicação por sonda e desde a última quarta-feira (9) passou a se alimentar com papinha. Antes de ser atingido por um tiro, Erick ensaiava as primeiras palavras. Agora, tem chamado só por um membro da família: o irmão de quatro anos que não vê desde o dia 21.
— Antes de acontecer, ele já falava papai, mamãe, titio. Agora, só chama pelo mano. Nos reconhece, está reagindo bem. Foi um milagre. Os médicos nos davam 98% de chance de morte cerebral e ele está firme e forte — conta o pai, o gesseiro Robson Boeira, 32 anos.
Autônomo, Boeira deixou de trabalhar para passar as noites no hospital. Durante o dia cuida do filho mais velho, que, assim como Erick, diariamente pergunta pelo caçula.
— Tudo mudou, tínhamos uma vida normal. Não sei nem como explicar. Só Deus para nos dar força no dia a dia. Mas conforme o Erick vai reagindo, também vamos melhorando. Ter o teu filho são, correndo e acontecer uma tragédia dessas, é muito difícil — conta o pai.
Erick era uma criança sapeca, corria, brincava, pulava e já pegava colher do prato e comia sozinho, recorda o pai. Agora, na descrição de Boeira, o pequeno está nascendo de novo e começando do zero. Depois de ficar uma semana desacordado no CTI, Erick já tem contato com brinquedos e assiste aos desenhos favoritos no celular.
Para nós é uma experiência nova, nunca imaginamos passar por isso. Estou tirando força de onde nem sabia que tinha. Parece que ainda não caiu a ficha. O pior momento foi quando peguei ele nos braços daquele jeito e levei para o hospital.
ROBSON BOEIRA
Pai de Erick
— Mostramos o desenho e ele entende tudo. É um cenário novo para ele, não entende o que aconteceu. E para nós é uma experiência nova, nunca imaginamos passar por isso. Penso que deve ter um proposito porque atingiu muita gente que se mobilizou por ele. Foi muita oração. Estou tirando força de onde nem sabia que tinha. Parece que ainda não caiu a ficha. O pior momento foi quando peguei ele nos braços daquele jeito e levei para o hospital.
O pai conta que toda vez em que ocorre o revezamento com a esposa ou a sogra, Erick fica triste. Tem vontade de ir para casa também. O avô materno, Altair Dias, busca a filha e o genro no hospital após o fim de cada turno, mas vê o neto apenas por videochamada:
— A família toda está mais aliviada, é muito bom ver ele se mexendo. Compramos uma bolinha para ele ter no hospital. É um processo lento, mas graças a Deus ele está melhorando.
"Para nós, é surpreendente", diz médico
Por enquanto, Erick não tem previsão de alta. O neurologista Adroaldo Baseggio Mallmann recorda que o bebê chegou em coma na instituição, após ter o primeiro atendimento no Hospital de Clínicas de Passo Fundo. A bala entrou do lado direito, atrás do ouvido, e se alojou no meio do cérebro, do lado esquerdo. O médico explica que depois de uma semana de sedação e de uso de medicação para a diminuição do metabolismo cerebral, o bebê passou a apresentar evolução do quadro e começou a acordar gradativamente.
O projétil não foi tirado ainda pois isso era capaz de piorar o quadro. O braço esquerdo ele mal consegue mexer, mas a perna (esquerda) ele levanta. Está balbuciando palavras. Para nós, é surpreendente. Pensávamos que ia evoluir para morte cerebral. Chegou com um edema cerebral muito grande. Felizmente, isso não aconteceu
ADROALDO BASEGGIO MALLMANN
Neurologista
Erick está com déficit de força no braço esquerdo, mas a perna está com movimento adequado. No lado direito, há um pequeno tremor nos membros devido a lesões causadas pela cápsula. O menino não apresenta febre.
— O projétil não foi tirado ainda pois isso era capaz de piorar o quadro. O braço esquerdo ele mal consegue mexer, mas a perna (esquerda) ele levanta. Está balbuciando palavras. Para nós, é surpreendente. Pensávamos que ia evoluir para morte cerebral. Chegou com um edema cerebral muito grande. Felizmente, isso não aconteceu — comenta o médico.
Há possibilidade de que o menino tenha sequelas motoras, mas o médico ressalta que crianças têm maior plasticidade cerebral, adaptam-se e em alguns casos podem ter evolução do quadro surpreendente – como foi o caso do Erick.
O menino faz fisioterapia respiratória, para evitar processos infecciosos, e nos membros, para impedir déficit motor e alteração na circulação sanguínea.
Autor dos disparos preso
Cinco dias depois do crime, um homem de 31 anos, que não teve o nome divulgado, apresentou-se à polícia e admitiu que realizou três disparos na noite do dia 21 de agosto. Em depoimento, o autor confesso o afirmou que estava caminhando acompanhado de um casal quando dois homens ameaçaram atacá-lo com uma faca. Foi então que efetuou os disparos. Segundo ele, um tiro foi efetuado para o alto e dois em direção à dupla. A delegada Daniela Minetto, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Passo Fundo, indiciou o homem por tentativa de homicídio e porte ilegal de arma. Preso preventivamente, está detido no Presídio Regional de Passo Fundo.