Após 21 dias de investigação do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte dentro do supermercado Carrefour em 19 de novembro, na zona norte de Porto Alegre, a Polícia Civil indiciou seis pessoas por homicídio triplamente qualificado. Quatro delas – Giovane Gaspar da Silva, Magno Braz Borges, Adriana Alves Dutra e Paulo Francisco da Silva – o inquérito aponta como autores da ação, e outras duas – Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende – como participantes.
As três qualificadoras são asfixia, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e motivo torpe, quando há fato reprovado moralmente e socialmente. A pena prevista para homicídio doloso qualificado, em caso de condenação, é de 12 a 30 anos de prisão. À frente da investigação, a delegada Roberta Bertoldo afirma que, a partir das imagens analisadas, identificou-se que foi Giovane quem tomou a iniciativa de sair atrás de João Alberto, após o cliente avisar a esposa que a esperaria do lado de fora. Giovane se aproxima de João Alberto por conta de um pedido de apoio que, conforme disse em depoimento, nem sequer sabia do que se tratava.
– O que se visualiza nas imagens, quando Giovane vai ao encontro de João Alberto, o qual está parado próximo de Adriana e Magno, é de que nada está acontecendo. Não há nenhum ato de João Alberto que mereça uma intervenção. Nenhuma testemunha soube dizer qual gesto João Alberto fez para a fiscal do caixa e o que disse a ela - diz a delegada.
A investigação concluiu que João Alberto foi agredido fisicamente por Giovane, Magno, Kleiton e Rafael.
No relatório final, a delegada afirma que "Giovane, Magno, Adriana e Paulo se mantiveram inertes, mesmo tendo uma unidade hospitalar próxima, ou seja, distante apenas 1,2 km, ou a três minutos dali. E, mesmo assim, aguardou-se equipe do Samu que chegou ao local quatorze minutos após ser cientificada, apenas o tempo necessário ao deslocamento de sua base."
Com base no relatório final que indiciou seis pessoas pela morte de João Alberto, GZH separou o papel, segundo a Polícia Civil, de cada um deles na cena do crime.
Giovane Gaspar da Silva
Ex-PM temporário, Giovane Gaspar da Silva estava em seu primeiro dia de trabalho como segurança do grupo Vector. Tomou a iniciativa de acompanhar João Alberto para fora do mercado. Adriana e Magno foram com ele. Quando o grupo se aproxima da porta automática de saída, às 20h42min, João Alberto se volta para Giovane e lhe dá um soco. O cliente começa a ser espancado pelos dois seguranças. Das 20h44min até 20h48min, a vítima é imobilizada e Giovane põe o joelho sobre seu braço. Giovane e Magno cessam a contenção da vítima que não se mexe mais. Está preso preventivamente.
Magno Braz Borges
O segurança do Grupo Vector também acompanha João Alberto para fora do mercado, o imobiliza quando o cliente dá um soco em Giovane e passa a agredir João Alberto. Após a agressão, das 20h44min até 20h48min, Magno ficou com o joelho sobre as costas de João Alberto. O relatório aponta que assim como Giovane, Magno nada fez para evitar a morte nem mesmo providenciou imediato socorro à vítima. Está preso preventivamente.
Adriana Alves Dutra
É fiscal do Carrefour. No entendimento da polícia, Adriana tem controle da conduta dos demais integrantes da cena, não só por ser hierarquicamente superior, mas por ter, no momento do crime, assumido a coordenação das ações. O relatório cita que ela "ignora a violência praticada, os gestos agonizantes da vítima e os apelos de populares que se insurgem quanto às condutas que presenciam. Adriana age indiferente a tudo." Para a delegada, Adriana também dá explicações falsas sobre o motivo da contenção da vítima, alega ter sido agredida e provoca ferimento no dedo em frente às pessoas. Conforme o relato de uma das testemunhas, Adriana mostrou as mãos e começou a lesionar seu dedo com sua unha. Alega que João Alberto agredira uma mulher no interior do mercado, o que também não foi comprovado. Também impede a companheira da vítima de se aproximar. Adriana comanda Kleiton, Rafael e Paulo, e, com eles, afasta clientes e prestadores de serviço que se aglomeram no entorno. Chama o Samu no momento em que toma ciência de que a vítima estava sem sentidos. Está presa temporariamente. Polícia pediu conversão da prisão para preventiva.
Paulo Francisco da Silva
O inquérito aponta que, desde o momento em que chega à cena, Paulo "auxilia decisivamente no desenrolar da ação". A polícia aponta que ele puxa a esposa da vítima, Milena Borges Alves, pelos braços, afastando-a de João Alberto, quando ela tentava ir auxiliar o companheiro. "Não restam dúvidas de que a interferência dela poderia possibilitar que João Alberto respirasse. Não lhe foi permitido que agisse para que a vítima tivesse acesso ao movimento corporal básico de vida", escreve a delegada no relatório. Paulo também se dirige às pessoas que estão na volta, intimidando-os para não filmarem e para não se aproximarem. Sob os olhares de testemunhas, Paulo se abaixa e diz à vítima, enquanto agoniza: "Ei rapaz, ó, sem cena tá? Sem cena, é a (inaudível) vez que tu vem e a gente te avisou da outra vez". Paulo permanece no entorno e, ao constatar que João Alberto falecera, já não impede a aproximação de ninguém. A investigação concluiu que Paulo não fez nada para evitar a morte e nem mesmo providenciou imediato socorro à vítima. Teve prisão preventiva solicitada pela polícia.
Rafael Rezende
É considerado participante do fato. Para a polícia, Rafael, ao ser chamado por Adriana, auxilia "materialmente" Giovane e Magno, tentando imobilizar a vítima. Rafael deu chutes em João Alberto. Também intimida testemunhas a não filmarem e não se aproximarem da cena. Embora Rafael e Kleiton tenham estado na cena do crime por tempo inferior ao de Giovane, Magno, Adriana e Paulo, a polícia entende que ambos contribuem igualmente para, com os demais, impossibilitar fisicamente a vítima de reagir às agressões. "É com a interferência de todos eles que João Alberto deixa de reagir e vem a ser contido", diz a delegada. Teve prisão preventiva solicitada pela polícia.
Kleiton Silva Santos
É considerado participante do fato. No entendimento da investigação, Kleiton, ao ser chamado por Adriana, auxilia "materialmente" Giovane e Magno, tentando imobilizar a vítima. Também deu socos e chutes em João Alberto. Com Rafael, Kleiton chega correndo na cena do crime quando João Alberto já está sendo agredido. Conforme a polícia, Kleiton agrediu a vítima em menor intensidade e quantidade. Teve prisão preventiva solicitada pela polícia.
Contrapontos
- Responsável pela defesa de Magno Braz Borges, o advogado Jairo Luis Cutinski aguarda acesso ao relatório do inquérito para se manifestar.
- Responsável pela defesa do ex-PM temporário Giovane Gaspar da Silva, o advogado David Leal não teve acesso a íntegra das informações, ao relatório final do indiciamento e aos laudos do IGP. "Os laudos serão avaliados pela nossa equipe de peritos, assim como todo levantamento de informações que foi feito pela polícia. Se necessário, iremos contestar."
- Responsável pela defesa de Adriana Alves Dutra, o advogado Pedro Catão informa que "está acompanhando a investigação e entende que a prisão temporária a qual está submetida é absolutamente ilegal desde a sua decretação, tendo em vista que determinada de ofício pela Magistrada. Além disso, Adriana esteve em todos os momentos à inteira disposição para auxiliar no andamento do inquérito policial, não sendo verdadeira a alegação de que seu paradeiro era desconhecido. Esse fato foi comprovado por elementos de investigação colhidos e já documentados. A regra, no processo penal, é a liberdade, sendo a prisão medida extremamente excepcional e que necessita de fundamentação concreta, não se justificando no caso de Adriana, senhora primária, de 51 anos e portadora de doenças graves. Quanto ao mérito dos fatos investigados, a defesa somente irá se manifestar após ter acesso ao relatório final da Autoridade Policial."
- Paulo Francisco da Silva e Kleiton Silva Santos ainda não têm advogados constituídos
- A defesa de Rafael Rezende, os advogados David Leal e Raiza Hoffmeister, destaca que ainda não teve acesso à íntegra dos autos do inquérito, e que o escritório foi procurado por Rafael na sexta-feira. Os advogados mencionam que há diversas inconsistências na investigação e serão abordadas ainda nos próximos dias em manifestação técnica perante o juízo.
Posicionamento do Carrefour
"Até o momento, o Carrefour informa que não teve acesso à conclusão do inquérito da Polícia Civil a respeito do caso ocorrido na noite do dia 19 de novembro, em Porto Alegre. Seguimos à disposição dos órgãos para contribuir com todas as informações necessárias e reforçamos nosso repúdio a qualquer tipo de violência e agressão em nossas unidades."
Posicionamento do Grupo Vector
"O Grupo Vector manifesta seu repúdio a qualquer ato de violência e lamenta o fato ocorrido na noite de 19/11/2020. A Vector reforça que não compactua com ações de violência, independente do tipo, caráter e objeto alvo da violência. Os colaboradores envolvidos com os acontecimentos foram desligados do quadro de funcionários da Vector. A Vector possui seus valores a fundados na Cordialidade e Empatia para desempenho de suas ações, respeitando a vida. No presente momento, a prioridade da Vector é contribuir integralmente com as investigações e ações da Justiça. Garantir que qualquer fato semelhante jamais aconteça novamente é o principal compromisso da Vector, através da transformação ao qual a empresa se encontra, mantido pelo diálogo transparente estabelecido com a sociedade."