Na esteira do julgamento do caso de Mari Ferrer, no qual a sentença foi proferida favoravelmente ao empresário André de Camargo Aranha, acusado de estupro, um ato foi organizado no Parque Farroupilha na tarde deste domingo (9). O grupo se reuniu às 15h no Monumento ao Expedicionário, conhecido como Arco da Redenção, para pedir justiça a Mariana Ferrer e criticar a chamada cultura do estupro.
Segurando cartazes, jovens e adultos questionavam a decisão judicial. Em um deles, estava escrito: "A justiça não é cega, ela é paga para não ver". Em outro, era possível ler o jargão "mexeu com uma, mexeu com todas".
Além da sentença — questionada por especialistas e que chegou a gerar uma investigação a respeito da conduta do magistrado responsável pelo caso —, a postura do advogado de Aranha, Claudio Gastão da Rosa Filho, também repercutiu no Brasil. Durante o julgamento, ele se dirigiu à jovem utilizando expressões como “dedinho na boquinha”, “mentirosa”, “mulher que nem você”, “farsa”, “showzinho”, “choro falso”, “lágrimas de crocodilo” e “posições ginecológicas”. Além disso, foram mostradas ao menos quatro fotos sensuais da jovem, que não tinham relação com o processo e não foram contestadas por qualquer um dos presentes na audiência.
Carolina Lima, 27 anos, disse ter decidido participar do protesto por indignação com o resultado do julgamento. Contudo, afirmou, seu protesto não se resume a Mariana Ferrer, mas se estende a si e a todas as mulheres que sofrem injustiças.
— Fiquei com raiva mesmo quando vi o vídeo (do julgamento) e até chorei, porque me identifiquei. Muitas vezes já passei por situações parecidas e sei que muitas mulheres também, e o que dá mais indignação é ter nossos relatos colocados em dúvidas por causa do nosso comportamento ou da roupa que a gente vestiu ou veste — afirma.
Em relação ao ato deste domingo, o tempo de fala igual para parlamentares, lideranças de movimentos sociais, representantes de entidades estudantis e lideranças comunitárias foi apontado como algo democrático.
— Vejo isso como algo muito positivo, porque demonstra que podemos pensar outra lógica de sociedade, onde as mulheres não sejam subjugadas. E ouvir tantas mulheres, na sua mais ampla diversidade, denunciando problemas que são comum a todas nós, da mais força pra seguir na luta contra o machismo, contra a cultura do estupro, por mais mulheres na política e organizadas. Nos dá o sentimento de que podemos mudar a realidade de muitas mulheres, combinando organização e luta — disse.
Atos pelo Brasil
Na cidade de São Paulo, foi realizado um protesto na Avenida Paulista, com mulheres segurando cartazes como "Fotografia não justifica estupro. Nada justifica estupro!" e "Até quando a justiça silenciará as vítimas de estupro?". Também houve manifestação em Campinas.
No Rio de Janeiro, manifestantes se reuniram na Cinelândia, região do entorno da Praça Floriano, no centro da capital. Novamente, evocou-se não apenas a questão do julgamento da Mari Ferrer, mas sobre a luta das mulheres no geral, com dizeres como "Não aguento mais ter medo de ser mulher".
Em Belém, Pará, o ato se iniciou na Basílica de Nazaré. O protesto, que reuniu dezenas de pessoas, seguiu durante a manhã pelas ruas da cidade. O mesmo se repetiu na cidade de Goiânia, Goiás.
O caso
Na última quarta-feira (9), o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, absolveu o empresário André de Camargo Aranha, de 43 anos, acusado de estuprar a blogueira Mariana Ferrer, de 22.
O caso teria ocorrido no dia 15 de dezembro de 2018. Mariana relatou ter sido dopada e, então, estuprada no beach club, onde trabalhava como embaixadora. Ela divulgou em suas redes sociais os vídeos do circuito de segurança da boate, nos quais aparece se apoiando na parede para conseguir andar, e a foto do vestido que usava naquela noite todo ensaguentado — ela era virgem na época. Exames realizados por autoridades em Mariana comprovaram que houve conjunção carnal — ou seja, uma introdução completa ou incompleta do pênis na vagina. Além disso, sêmen de André foi encontrado na calcinha da blogueira, e a ruptura do hímen, comprovada.
Na decisão que inocentou Aranha, o juiz concluiu não ter sido possível apontar quem faltou com a verdade e que o relato de Mariana foi corroborado somente por sua mãe. A jovem conta que não recorda o que aconteceu na festa, mas chegou em casa transtornada, falando frases desconexas, com as roupas sujas de sangue e esperma. Mas, no entendimento do juiz, o depoimento da mãe “pouco esclarece” em relação aos fatos.
Embora tenha ficado comprovado que houve relação entre Mariana e o empresário, no entendimento do Judiciário, para configurar estupro de vulnerável seria necessário que a vítima não tivesse condições de oferecer resistência, e que o autor deveria ter ciência da vulnerabilidade dela. Neste ponto, o juiz citou os exames de alcoolemia e toxicológico, que apresentaram resultado negativo. Ponderou que os peritos reconheceram que possam existir substâncias que não sejam detectadas.