A agressão que tirou a vida de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, 40 anos, dentro de um Carrefour no bairro Passo D'Areia, durou cerca de cinco minutos. Nesse tempo, ele recebeu socos pelo corpo e na cabeça, foi imobilizado e impedido de respirar enquanto o joelho de um segurança o comprimia as costas. O homem chegou a ser atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não resistiu e morreu no local, na zona norte de Porto Alegre. A provável causa da morte foi asfixia.
Conforme a delegada que investiga o caso, Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, a polícia cronometrou desde o momento em que o homem chega ao estacionamento até o de sua morte:
— O que chama atenção, além da violência, claro, é o fato de que, nas imagens, os funcionários dizem que se a vítima se acalmasse, seria solta. Mas vemos que ele não tinha nenhuma condição de reagir, não precisava ninguém sobre ele, ninguém custodiando. Ele não conseguia mais oferecer resistência porque nem conseguia respirar — analisa a delegada.
Conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP), a causa provável da morte de Freitas foi asfixia. A conclusão não é definitiva, pois existem exames laboratoriais em andamento. Os laudos devem ser concluídos nos próximos dias.
— O maior indicativo da necropsia é de que ele foi morto por asfixia, pois ele ficou no chão enquanto os dois seguranças pressionavam e comprimiam o corpo, dificultando a respiração dele. Ele não conseguia mais fazer o movimento para respirar — afirmou Roberta.
A situação foi relatada também por uma testemunha que fez imagens da agressão, e que conversou com GZH em condição de anonimato (veja o vídeo abaixo). Segundo ela, Freitas gemia e pedia para respirar, enquanto era mantido no chão por dois homens, um deles com o joelho sobre as costas da vítima.
A mulher conta que estava saindo da área dos caixas com o marido e o filho quando percebeu a movimentação dos funcionários:
— A coisa que eu mais lembro é ele implorando para respirar. Foi uma crueldade, covardia. Eram dois contra um homem desarmado. E a esposa presenciando tudo. Em nenhum momento eu vi ele falando que iria bater neles. Ele nem estava em condições de agredir alguém. Ele só implorava: "Me deixa respirar, não estou respirando" — conta.
Segundo a delegada, nas imagens, é possível perceber que pessoas tentam "dissuadir" os funcionários do Carrefour da agressão, sem sucesso. Roberta ressalta a importância de que essas testemunhas que estavam no local procurem a polícia, pois o relato delas pode ajudar na investigação:
— Nas imagens, nós vemos um motoboy que filma a situação e é ameaçado por uma das funcionárias. Ele estava claramente tentando ter uma prova para a vítima. Mesmo com a tragédia, ele agora nos auxilia muito a mostrar o que ocorreu. Vemos outras pessoas tentando dissuadir os agressores, pois eram o meio que eles tinham de tentar ajudar, já que estavam sendo ameaçados. Por isso pedimos que essas pessoas venham à delegacia e nos ajudem.
Os dois homens que aparecem nas imagens foram presos em flagrante, identificados como o segurança Magno Braz Borges e o policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva. Os dois foram desligados do Grupo Vector, segundo a empresa de segurança terceirizada. Outras pessoas, que estavam no entorno e não impediram as agressões, são investigadas pela Polícia Civil.
O que diz a Brigada Militar
"Imediatamente após ter sido acionada para atendimento de ocorrência em supermercado da Capital, a Brigada Militar foi ao local e prendeu todos os envolvidos, inclusive o PM temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei.
Cabe destacar ainda que o PM Temporário não estava em serviço policial, uma vez que suas atribuições são restritas, conforme a legislação, à execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento, e, ainda, mediante convênio ou instrumento congênere, guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos.
A Brigada Militar, como instituição dedicada à proteção e à segurança de toda a sociedade, reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência, discriminação e racismo, intoleráveis e incompatíveis com a doutrina, missão e valores que a Instituição pratica e exige de seus profissionais em tempo integral."
O que diz o Carrefour
"O Carrefour informa que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada.
Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário. O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente.
Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."
O que diz a empresa Vector
“O Grupo Vector, através de seu advogado, vem a público informar que lamenta profundamente os fatos ocorridos na noite de 19/11/2020, se sensibiliza com os familiares da vítima e não tolera nenhum tipo de violência, especialmente as decorrentes de intolerância e discriminação.
Informa que todos seus colaboradores recebem treinamento adequado inerente as suas atividades, especialmente quanto à prática do respeito às diversidades, dignidade humana, garantias legais, liberdade de pensamento, ideologia política, bem como à diversidade racial e étnica.
A empresa já iniciou os procedimentos para apuração interna acerca dos fatos e tomará as medidas cabíveis, estando à disposição das autoridades e colaborando com as investigações para apuração da verdade.”