Doente cardíaco, Antônio Reni Portal, 59 anos, seguia a quarentena à risca. Temia a covid-19 pela própria saúde, por possíveis complicações que poderia gerar em um dos filhos, com necessidades especiais, ou na sogra de 93 anos, com quem dividia a mesma casa. Na manhã da última segunda-feira (5), um infarto acabou tirando a vida do comerciante. Não por complicações da doença ou por ter contraído coronavírus, mas após ser vítima de um assalto em Gravataí, na Região Metropolitana.
Proprietário de uma oficina de chapeação e pintura na Avenida Ely Correa, na RS-030, no Parque do Itatiaia, há 15 anos, Portal não estava trabalhando devido a pandemia, mas ia, às vezes, espiar o prédio. Na segunda-feira, ao chegar ao estabelecimento com a esposa, viu um caminhão estacionado no pátio. Enquanto a mulher ficou no veículo, desconfiado, Portal desceu, entrou e flagrou um homem carregando a porta de um carro. Um segundo indivíduo aguardava dentro do caminhão.
Iniciou-se uma discussão. O ladrão empurrou Portal, houve luta corporal e a vítima reagiu com um facão contra do mão do criminoso, que fugiu ferido. O proprietário da oficina passou mal. De dentro do veículo, a esposa ouviu e chamou ajuda na vizinhança. Um conhecido da família conseguiu socorrer Portal e levá-lo ao Hospital Dom João Becker. Próximo de chegar ao serviço de saúde, não resistiu.
— No hospital, tentaram reanimá-lo, mas não deu. Ele já tinha sofrido muito. Foi um impacto muito forte. Levou a vida toda para construir a oficina, chega e depara com um caminhão estacionado e pessoas levando seus bens. Foi um baque muito grande para ele. Meu pai pouco saía de casa e, quando saiu, ainda sofreu um baque desses. Se não fosse minha mãe, ele teria morrido na oficina — conta o filho Filipe Cáceres Müller Portal, 35 anos.
Natural de Osório, no Litoral Norte, Portal trabalhava em oficina desde os 16 anos. É pai de quatro filhos e desde o início da pandemia se refugiava com a esposa no sítio da família em Gravataí. Filipe descreve o pai como um homem brincalhão e carismático, que estava aprendendo a tocar violão com o neto. Sonhava em ter uma casa na praia, pois adorava pescar. Na última sexta-feira (2), Filipe o acompanhou em um exame no Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre. Conta que o pai estava feliz e confidenciou ao filho que queira aprender a pintar telas, ao ver uma exposição de arte no hospital:
Cada vez que ele ia lá (na oficina), deparava com algo diferente que havia sido levado. Nos últimos tempos, a quantidade de furtos aumentou muito pelo fato de ele trabalhar sozinho e não morar lá. Chegar no teu local de trabalhar e deparar com um caminhão estacionado para carregar teus bens, às 10h da manhã, é o cúmulo.
FILIPE CÁCERES MÜLLER PORTAL
Filho da vitima
— O jeito que aconteceu foi muito doloroso, tu não esperas algo assim. É muita cara de pau encostar um caminhão para furtar em plena luz do dia. A morte dele nos deixou em choque pela forma como aconteceu. Era muito novo e podia viver muito anos. Acabou sendo arrancado de nós de forma abrupta.
Como deixou o atendimento presencial na oficina durante a pandemia, era comum chegar ao estabelecimento e perceber que faltavam peças e máquinas. Chegou a soldar as portas para evitar prejuízo maior.
— Cada vez que ele ia lá, deparava com algo diferente que havia sido levado. Nos últimos tempos, a quantidade de furtos aumentou muito pelo fato de ele trabalhar sozinho e não morar lá. Chegar no teu local de trabalhar e deparar com um caminhão estacionado para carregar teus bens, às 10h da manhã, é o cúmulo — diz o filho.
Comerciante já havia sido vítima no mesmo criminoso
No final de agosto de 2019, o mesmo indivíduo que estava levando a porta do veículo na oficina de Portal já havia sido flagrado no sítio da família, no bairro Padre Reus, tentando furtar a residência. Na época, a ocorrência foi registrada na 1ª Delegacia de Polícia de Gravataí.
— Isso motivou que, ao ver o mesmo homem furtando seu estabelecimento comercial, ele tenha perdido a cabeça e entrado em luta corporal com o criminoso — afirma o delegado Marcio Zachello.
Em outra ocorrência do ano passado há registro de cinco furtos na oficina no intervalo de dois meses:
Ele não aguentava mais ser vítima de furto e, ao deparar com aquele homem que tentou entrar na sua casa, teve uma intensa discussão, vias de fato e acabou tendo uma parada cardiorrespiratória. Por isso entendemos que houve um nexo de causalidade entre o crime e o que ele estava sofrendo naquela discussão, que fez ele passar mal e morrer. Com o empurrão do bandido, o furto vira roubo. E pela morte, torna-se latrocínio consumado.
MARCIO ZACHELLO
Titular da 1ª Delegacia de Polícia de Gravataí
— Ele não aguentava mais ser vítima de furto e, ao deparar com aquele homem que tentou entrar na sua casa, teve uma intensa discussão, vias de fato e acabou tendo uma parada cardiorrespiratória. Por isso entendemos que houve um nexo de causalidade entre o crime e o que ele estava sofrendo naquela discussão, que fez ele passar mal e morrer. Com o empurrão do bandido, o furto vira roubo. E pela morte, torna-se latrocínio consumado — explica o policial.
A ação resultou em três pessoas presas. Com a mão atingida por um facão, o homem que invadiu a oficina foi procurar atendimento no mesmo hospital em que Portal foi socorrido. Lá acabou sendo reconhecido pela família da vítima. Foi preso em flagrante por latrocínio, assim como o indivíduo que estava dentro do caminhão.
Segundo o delegado, o veículo usado no crime é do dono de uma reciclagem próxima da oficina. O suspeito que estava dirigindo o caminhão e cuidando do veículo no momento do roubo é funcionário dele. O homem flagrado dentro do estabelecimento também já trabalhou na reciclagem.
— A justificativa do dono da reciclagem é que ele chegou lá e contratou o serviço, alugando o caminhão para buscar pertences seus em um determinado local. Só que esse cara não tem nenhum tostão no bolso. Como chega num local e aluga um caminhão? É algo descabido — argumenta o delegado.
Para a polícia, o homem que estava dirigindo o caminhão sabia do crime e por isso também foi preso por latrocínio.
— Estamos apurando se o dono da reciclagem também sabia e se as peças roubadas seriam levadas para ele.
Por ter comparecido na delegacia e tentado enganar os policiais, apontando a participação de outra pessoa, o dono da reciclagem foi detido por fraude processual.