Enquanto a equipe catalogava peças do Museu Dr. José Faibes Lubianca, o museu da Polícia Civil, em Porto Alegre, uma senhora e o filho ingressaram no prédio ao lado do Palácio da Polícia. Queriam entregar uma arma que havia pertencido ao esposo e pai — antigo guarda civil da Capital. Ele armazenava em casa o revólver e pretendia devolvê-lo, mas faleceu antes disso. Com cabo folheado a ouro, a peça usada entre os anos 1950 e 1960 é uma das cerca de 4 mil que agora integram o acervo histórico. Nesta quarta-feira (21), a nova sede do museu será inaugurada na Capital.
Quem recebeu o antigo revólver das mãos dos familiares do guarda civil foi o analista em assuntos culturais Robson da Silva Dutra Lima, responsável pelo museu. Ele é um profissionais dedicados a um trabalho exaustivo que vem sendo realizado nos últimos anos para permitir a reabertura do espaço. Reformulado para receber o acervo, o prédio da antiga Policlínica da Polícia Civil armazena agora as peças. No museu é possível encontrar, por exemplo, armas variadas da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, da Guerra do Paraguai e até da Guerra dos Farrapos.
— São mais de 400 armas históricas. Temos arquivos muito usados em pesquisas, por pessoas de todo país e até de fora. Há bastante ainda a ser catalogado, pesquisado, muito trabalho pela frente — detalha.
Com o novo espaço, Lima espera que mais pessoas possam ter acesso aos conteúdos ali armazenados. Um dos temas que atrai pesquisadores é o combate ao nazismo — uma das bandeiras do patrono da Polícia Civil, Plínio Brasil Milano. A preparação do acervo e dos arquivos contou com a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de alunos de Museologia e Arquivologia da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Dessa forma, foi possível catalogar boa parte do acervo que está exposto ou armazenado.
Estudante do 6º semestre de Museologia da UFRGS, Iandora de Melo Quadrado integra a equipe do museu desde o início do ano.
— Há muitos arquivos que revelam inclusive como eram os costumes da época, como as pessoas se vestiam, por exemplo — explica Iandora, enquanto manuseia um dos materiais catalogados, o registro de triagem realizado pelas delegacias no início do século passado.
No arquivo de folhas amareladas, disponível para pesquisas, as pessoas consideradas suspeitas eram identificadas com fotografia, nome e tipo de crime supostamente cometido. "Gatuno" e "vigarista" eram alguns dos termos usados, em letra cursiva, para descrever os registrados. Além de arquivos como esse, de itens agora aposentados das investigações e de apreensões ao longo dos anos, a visita ao museu permite mergulhar na história da Polícia Civil.
Painéis expostos nas paredes montam a linha do tempo desde sua criação, em 1841, até datas relevantes, como o primeiro concurso com mulheres investigadoras, em 1970. Meio século depois, a primeira mulher a chefiar a Polícia Civil no Rio Grande do Sul, delegada Nadine Anflor, comemora a inauguração.
— Temos orgulho da nossa história e, nada mais justo, que possamos transmitir isso às próximas gerações — afirma.
A história do museu
Criado em 1937 como um museu didático da Academia de Polícia (Acadepol), o Museu da Polícia Civil é o segundo mais antigo em funcionamento no Rio Grande do Sul, atrás somente do Museu Júlio de Castilhos, também em Porto Alegre.
Inicialmente chamado de Museu do Crime, foi rebatizado em 1959 de Museu Dr. José Faibes Lubianca em homenagem ao perito que morreu naquele mesmo ano. Funcionou durante anos na antiga sede da Acadepol, sendo provisoriamente fechado em 2017, quando a Academia de Polícia rumou para novo prédio.
A nova sede do museu foi instalada juto ao prédio da antiga Policlínica da Polícia Civil, ao lado do Palácio da Polícia. O prédio foi adaptado para receber as peças de forma adequada. A cerimônia de inauguração será transmitida a partir das 14h pelo perfil oficial da Polícia Civil no Instagram (@policiacivilrsoficial).
— Ainda há muito a ser feito, como a restauração e a catalogação do acervo, sua digitalização e registro fotográfico — diz a diretora da Divisão de Comunicação e Marketing, delegada Viviane Viegas.
Algumas peças que você pode conhecer
Retrato falado
- Uma das peças curiosas foi um artifício importante para identificar autores de crime. Dentro de um estojo de madeira está armazenado um kit para montar retrato falado, de 1960. O item, produzido nos Estados Unidos, foi utilizado pela polícia até meados dos anos 1990. É composto por gravuras, com diferentes formatos de partes da face, que juntas compõem o rosto do suspeito.
Arma na Bíblia
- Parte do acervo é composto por apreensões realizadas pela polícia. Chama atenção uma pequena garrucha escondida dentro de uma Bíblia recortada para acomodá-la. A arma foi localizada pela polícia em meados dos anos 1950.
Bengala suspeita
- Outra peça pouco comum é uma bengala que esconde uma arma. O acessório foi transformado em uma arma de fogo de calibre 38. A origem da peça é desconhecida, mas se acredita que tenha sido apreendida pela polícia.
Escuta disfarçada
- Um gravador portátil analógico utilizado pela ditadura no Brasil para grampear telefones de pessoas está entre os itens expostos. O aparelho ficava escondido dentro uma maleta.
Chave
- Uma grande chave exposta desperta a atenção entre as peças. Ela era usada em 1860 para a abertura de uma das galerias da Casa de Correção de Porto Alegre, cadeia inaugurada em 1855, ao lado da atual Usina do Gasômetro. No museu, é possível conferir outros arquivos e imagens do local.
Acervo de pesquisa
- Outra possibilidade, para pesquisadores e estudantes, é consultar o material de acervo. É possível encontrar arquivos, por exemplo, da censura sofrida por artistas de Porto Alegre. Um deles é o Registro de Artistas do Gabinete de Censura, da década de 1940. Nele, eram armazenadas informações sobre os artistas que se apresentavam na cidade, como nome, foto, nacionalidade e tipo de atividade desenvolvida.
Como visitar
O Museu da Policia Civil está localizado na Rua Professor Freitas de Castro, 740, junto ao Palácio da Polícia. O espaço estará aberto à visitação de segunda a sexta-feira, das 13h às 17h, respeitando os protocolos sanitários de combate ao coronavírus, como uso obrigatório de álcool gel pelos visitantes e limite do número de pessoas no local. Na parte da manhã o museu é de uso exclusivo de estudantes e pesquisadores, que devem fazer o agendamento pelo e-mail museu@pc.rs.gov.br ou dcm@pc.rs.gov.br.