Em nova diretriz divulgada na sexta-feira (2), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que presos que se autodeclarem LGBT+ poderão ficar em alas isoladas de penitenciárias e que pessoas trans podem ser transferidas para prisões em acordo com a identidade de gênero com que se identificam, sem a necessidade de laudo médico. A decisão caberá ao juiz.
Até então, a definição de onde pessoas LGBT+ cumprem uma pena ocorria dentro das cadeias – é na triagem que a administração aloca o condenado em um setor do prédio.
A partir de agora, o CNJ decide que o indivíduo manifeste, durante a audiência com o juiz, a preferência por cumprir a pena em uma ala LGBT+ ou se quiser ir para uma cadeia feminina se for uma mulher trans, por exemplo.
A nova regra reduz burocracias sobretudo para mulheres trans – até então, a pessoa ia para um presídio masculino e, já presa, entrava com processo para ser transferida, sendo necessário passar por entrevistas com assistentes sociais e psicólogos e viver um tempo ao lado de presos homens.
O CNJ destaca que trans e travestis, assim como gays, bissexuais, lésbicas e pessoas intersexo, sofrem grande preconceito em presídios e que estão “mais expostos e sujeitos à violência e à violação de direitos que o preso comum”. A população LGBT+, em específico, costuma sofrer tortura e ser sexualmente escravizada por outros presos.
A decisão, assinada pelo ministro Dias Toffoli, também cabe a adolescentes que cumpram medida socioeducativa e se enquadrem na questão. O CNJ cita que a nova regra está em acordo com tratados internacionais de Direito, com a Corte Interamericana de Direitos Humanos e com a própria Constituição brasileira.
A mudança toma como base o relatório “LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos neste ano.
Gustavo Passos, autor do relatório e um dos diretores da Corpora en libertad – Rede Internacional de Trabalho com Pessoas LGBTI+ Privadas de Liberdade, afirma a GZH que a decisão deve pressionar presídios a criarem mais alas destinadas a pessoas LGBT+, uma vez que a determinação de onde ficará o preso partirá do juiz, e não a cargo de cada presídio.
Hoje, levantamento do pesquisador para o Ministério aponta que apenas 109 das cerca de 1,5 mil prisões brasileiras têm ala para essa população.
— Na audiência de custódia, que é o primeiro momento de contato da pessoa com o Judiciário, o juiz agora tem que indagar a pessoa sobre sua identidade de gênero e orientação sexual para colher dela a vontade de ficar em uma unidade feminina, se for mulher trans, por exemplo, ou ficar em uma ala LGBT+ do presídio. Até então, a mulher trans ou travesti iria para o presídio masculino e lá dentro, na triagem, alguém faria a designação e, em situação ideal, a pessoa iria para a cela LGBT+ daquela unidade prisional, ficando na mão de encontrar um agente penitenciário mais sensível à pauta — explica Passos, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Se as penitenciárias brasileiras não tiverem espaços específicos para a população LGBT+, será possível entrar com ação contra a instituição, observa Paulo Iotti, advogado do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero e pela Aliança Nacional LGBTI no processo perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que também discute o direito das mulheres trans e de travestis ficarem em presídios femininos.
— Os lugares que não tiverem alas para LGBT+ vão ter que se adequar a essa determinação do CNJ. Evidentemente haverá um prazo para adaptação, mas isso terá que acontecer. Se não cumprirem, a pessoa poderá processar o Estado ou o presídio para se cumprir essa decisão — afirma Iotti.
Para Thiago Amparo, advogado e professor de Direitos Humanos na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), a resolução avança em reconhecer o respeito a pessoas LGBTs no sistema carcerário.
— Reconhece que pessoas LGBTs, em especial transexuais e travestis, possam declarar sua identidade de gênero e que esta seja respeitada no sistema penitenciário. O objetivo é o respeito à identidade de gênero e também a garantia da integridade física e psicológica de presos, mesmo quando não haja alas para LGBTs, que são muito poucas no país. Com a decisão, CNJ alinha o país a parâmetros internacionais de respeito a LGBTs — comenta.