Defensor do armamento da população, o presidente Jair Bolsonaro vem alterando normas e reduzindo o controle de armas de fogo no Brasil. O tema ganhou novo destaque após ele ter afirmado, em reunião ministerial, que quer “todo mundo armado” e que “povo armado jamais será escravizado”.
As últimas mudanças promovidas pelo Palácio do Planalto nesse tema são aprovadas por apoiadores do governo, escolas de tiro, praticantes do esporte, caçadores, colecionadores e entidades pró-armas.
Ao mesmo tempo, têm preocupado especialistas, que temem o desmonte da fiscalização e uma escalada da violência.
Adotadas em abril, as modificações mais recentes incluem a elevação dos limites de compra de munição e a revogação de normativas do Exército que tornavam mais rigoroso o rastreamento desses produtos.
A portaria que ampliou o acesso a projéteis foi publicada logo após a reunião de Bolsonaro com os ministros, ocorrida em 22 de abril. Na ocasião, o presidente disse que o armamento massivo evitaria a imposição de suposta ditadura no Brasil e daria poder ao povo para se contrapor às ações de restrição à circulação na pandemia do coronavírus definidas por prefeitos e governadores:
— Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua (...) Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado.
A posição de Bolsonaro não é novidade. Desde o início do mandato, ele vem flexibilizando regras, em linha com o que indicava na corrida eleitoral de 2018. O teto para a aquisição de projéteis, por exemplo, já havia sido elevado em janeiro deste ano.
Até então, a quantidade máxima permitida era de 50 unidades de munição por ano para civis com arma registrada. Passou a ser de 200 anuais no início de 2020 e, desde abril, é de 550 por mês, para diferentes tipos de equipamentos. Levando em consideração apenas projéteis de calibre comum, a permissão passou de 200 para 600 ao ano.
É importante ressaltar que as pessoas compram armas para ter em casa, para se defender, para participar de campeonatos. É equivocado presumir que todos são predispostos a cometer crimes.
DIEGO GOMES FERREIRA
Membro do movimento Armas pela Vida
— A revisão é positiva. Antes, o limite era inadequado. Quem tinha porte de pistola mal conseguia fazer a troca correta de munição. Continua sendo insuficiente, levando em conta quem faz treinamento periódico de tiro, mas melhorou. É importante ressaltar que as pessoas compram armas para ter em casa, para se defender, para participar de campeonatos. É equivocado presumir que todos são predispostos a cometer crimes — diz Diego Gomes Ferreira, membro do movimento Armas pela Vida.
Proprietário da Escola de Tiro Magaldi, em atividade há 42 anos em Porto Alegre, Dempsey Magaldi tem opinião semelhante.
— O presidente sempre teve propostas de campanha muito claras relacionadas a esse tema. Ele está sendo coerente — sintetiza Magaldi, que também é consultor em segurança.
Ainda assim, a flexibilização é alvo de inquietação entre pesquisadores e instituições antiarmamentistas. Para Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, as decisões carecem de fundamentação científica e impõem riscos.
— Sem debate prévio e sem justificativa técnica, o governo triplicou o limite de compra de munição para pessoas com registro de armas para defesa pessoal. É completamente descabido e, pelo que vimos na reunião ministerial, foi um recado político. A questão é: quando alguém consegue comprar muito mais do que precisa, o que acontece com o excedente? A chance de que essa munição acabe em mãos erradas é enorme — avalia a especialista.
Lamento a posição do presidente. A ideia de armar a população vai contra as evidências. Pesquisas indicam que quem reage armado a um assalto tem 70% mais chance de ser ferido.
VICENTE DA SILVA FILHO
Oficial da reserva
A angústia é compartilhada pelo coronel reformado e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho. Professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM de São Paulo, Silva Filho sustenta que as medidas tendem a trazer mais prejuízos do que benefícios.
— Lamento a posição do presidente. A ideia de armar a população vai contra as evidências. Pesquisas indicam que quem reage armado a um assalto tem 70% mais chance de ser ferido. Quando o presidente facilita o acesso a armas e munição, estimula a insegurança — diz o oficial da reserva.
Os dados mais recentes do Datasus (única fonte oficial que distingue com precisão homicídios por arma de fogo) apontam queda no volume de assassinatos a tiros em 2018, na comparação com 2017, mas, proporcionalmente, o número se mantém no mesmo patamar desde 2007: em média, a cada 10 mortes violentas registradas no país, sete decorrem de ferimentos à bala. Esse é um dos motivos pelos quais, na avaliação de Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé — ONG com sede no Rio de Janeiro voltada ao debate de temas como segurança cidadã e consolidação da paz —, não se pode menosprezar o assunto.
— É um elemento que impacta na segurança pública e na vida das pessoas, e o Estado precisa cumprir o seu papel. Não se trata de proibir ou não, mas de garantir que a arma que nasce legal continue legal — sintetiza Melina, co-autora do livro Segurança pública para virar o jogo.