Anunciada nas redes sociais, a decisão do presidente Jair Bolsonaro de anular normas que reforçavam o rastreamento, a identificação e a marcação de armas, projéteis e outros produtos controlados surpreendeu especialistas críticos à flexibilização.
Em 17 de abril, dirigindo-se a atiradores e colecionadores no Twitter, Bolsonaro informou que revogaria as portarias nº 46, 60 e 61, publicadas em março pelo Comando Logístico do Exército (Colog), por não se adequarem às suas diretrizes.
A portaria nº 46 havia criado o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNar). A nº 60 tornava mais rigorosa a marcação e identificação de armas e a nº 61 ampliava a fiscalização sobre embalagens e cartuchos de munição.
O recuo, segundo membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, representa retrocesso e tende a facilitar desvios.
— O Brasil já sofre uma epidemia de criminalidade e de violência bastante alta para que o crime seja abastecido com mais material de trabalho. O descompromisso com o controle é preocupante — avalia o advogado Ivan Marques, integrante do fórum.
Na avaliação de Rafael Alcadipani, que também compõe o órgão e é professor da Fundação Getulio Vargas, ao aceitar revogar as portarias, o Exército “deixou de ser uma instituição de Estado e passou a ser uma instituição política”.
— Mesmo a pessoa que pratica tiro por esporte, se tiver consciência, é a favor do controle, porque isso beneficia a sociedade. Com rastreamento preciso, sempre que a polícia encontra cápsulas na cena de um crime, sabe de onde vieram. O esclarecimento de assassinatos nos Estados Unidos e na Europa usa muito isso. Aqui, o tema virou motivo de bravata e de ideologia — diz Alcadipani.
A análise é corroborada por Melina Risso, do Instituto Igarapé, do Rio de Janeiro. Co-autora do livro Segurança Pública, a pesquisadora destaca que o Colog vinha implementando melhorias importantes. Ela ressalta que o revés vem na esteira de um conjunto de alterações promovidas desde 2019 por Bolsonaro para facilitar o acesso aos produtos controlados, incluindo a ampliação do limite de compra de munição:
— O Exército estava preocupado em aprimorar os mecanismos de controle. O que Bolsonaro tem feito é o oposto, e não é de hoje. Só o crime ganha com isso.
A suspeita de interferência do presidente em atos exclusivos do Exército se tornou foco de investigação no Ministério Público Federal (MPF). Em ofício, o chefe do Colog, general Laerte de Souza Santos, declarou que a revogação teve o objetivo de aperfeiçoar pontos das portarias que haviam provocado dúvidas. Ele justificou a anulação declarando que “surgiram inúmeros questionamentos e contrapontos levantados por diversos setores da sociedade, especialmente nas mídias sociais, e da administração pública em razão da tecnicidade do tema”.