Aos 17 anos, Gabrielly Schneider desapareceu em Palhoça, na Grande Florianópolis, em Santa Catarina, em 30 de maio de 2019, três dias após sair da casa do namorado. Quase um ano depois, o sumiço da jovem ainda é um mistério para a família que vive na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Ainda sem provas contundentes do que pode ter acontecido com Gabrielly, a Polícia Civil de Santa Catarina trata o caso como feminicídio.
Gabrielly nasceu em Porto Alegre, mas se mudou com a família para o município catarinense de Garopaba, em 2017. Foi lá que conheceu o companheiro, de 23 anos, com quem passou a morar. Os pais retornaram para o Rio Grande do Sul pouco mais de um ano depois, em dezembro de 2018, mas a adolescente, então com 16 anos, decidiu ficar. As brigas da filha com o namorado fizeram com que a mãe, a diarista Vânia do Nascimento Schneider, 34 anos, fosse a Garopaba para buscar Gabrielly poucos dias após o retorno ao Estado.
— Eu trouxe ela para Porto Alegre, mas em 28 de dezembro fugiu de volta para Garopaba. Voltou a morar com ele, e os dois decidiram ir para Palhoça, perto da família dele, onde alugaram uma casa. Como ela era menor, fazia unha à domicílio e estudava à noite. Me mandava mensagens todos os dias, dizendo que estava bem — relata a mãe.
Por ter Ensino Fundamental incompleto, Gabrielly não conseguia emprego, e a harmonia entre o casal, segundo o relato da mãe, não durou muito tempo. Vânia conta que a filha passou a ser humilhada e sofria ameaças do companheiro:
— Ele não gostava de vê-la arrumada e, nos últimos dias em que estavam juntos, ela estava com medo, pedindo socorro.
Três dias antes de desaparecer, em 27 de maio do ano passado, a adolescente saiu de casa, segundo a mãe, a pedido do companheiro. Gabrielly buscou abrigo na residência de um amigo do namorado. Vânia e a filha chegaram a se falar por videochamada quando a adolescente já estava no novo endereço. Em 30 de maio, a menina saiu e não retornou.
O celular também desapareceu. Preocupada com os relatos da família do companheiro, que falaram a Vânia que Gabrielly estaria com problemas psicológicos, a diarista foi a Palhoça. Chegou na manhã de 1º de junho, quando registrou o desaparecimento da filha:
— Alguma coisa fizeram com ela. O namorado não se mexia para me ajudar a procurar. Algo ele fez com a minha filha. Ela era uma menina meiga e querida, sempre ligava para toda família, mas não me obedecia.
Investigação
Em quase um ano de sumiço da filha, Vânia diz que já foi oito vezes procurá-la em Santa Catarina. Quando ainda tinha esperança de encontrá-la viva, buscou pistas da jovem, sem sucesso, em Palhoça, Garopaba e Florianópolis.
Titular da delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso de Palhoça, a delegada Daiana Luz trabalha com a hipótese de que Gabrielly tenha sido morta. O ex-namorado e o amigo, que chegou a ser preso temporariamente para interrogatório, são os principais suspeitos do desaparecimento. A Polícia Civil pediu ao Judiciário mais 60 dias para concluir o inquérito. A investigação corre sob sigilo e a delegada não dá detalhes:
– Não foi encontrado o corpo dela. Pode ser que esteja desaparecida, mas é difícil. Temos diligências em andamento. Há pontos a serem investigados. A defesa alega que ela entrou em surto e que pode estar perdida.
A casa do amigo do companheiro, onde Gabrielly estaria morando, foi periciada, mas não foram encontrados vestígios de sangue. Segundo a delegada, o trabalho da polícia foi dificultado pela demora em ter conhecimento do fato. O primeiro registro de ocorrência foi de desaparecimento. Um mês depois, a família retornou à polícia para falar sobre a possibilidade de feminicídio, revelando que Gabrielly sofria ameaças:
— Começamos a investigação um pouco atrasados. Se tivéssemos essa informação no dia, acredito que seria mais fácil de chegar ao paradeiro dela. Depois de um mês, quem fez já limpou a cena. Na casa onde ela estava, não encontramos nada relevante.
Os dois suspeitos, que estão em liberdade, disseram, em depoimento, que Gabrielly surtou e desapareceu.
— As provas recaem mais sobre o amigo. Pouco antes de ela desaparecer, ela teria brigado com esse amigo, teria avançado nele com um machado. E ele diz que ficou com medo, correu, saiu de casa, quando retornou, ela não estaria mais lá — diz a delegada.
O escritório Ortega & Goedert, responsável pela defesa dos dois investigados, encaminhou a seguinte nota a respeito do caso:
“Segundo relato da própria genitora ao registrar Boletim de Ocorrência perante a DPCAMI, a adolescente possui problemas psicológicos e tem vasto histórico de fugir de casa: “A gabrielly possui problemas psicológicos e já desapareceu por três vezes, todos no Rio Grande do Sul”[...] “sofre de surtos psicóticos e não estava tomando seus remédios”(Boletim de ocorrência).
Conforme o combinado com a adolescente e seu ex-companheiro, após o término do relacionamento, ela permaneceria na casa do amigo do casal até o dia 31 de maio de 2019, data em que seus familiares iriam lhe buscar para retornar ao Rio Grande do Sul. No entanto, o ex-companheiro sempre dizia que a jovem não gostava do Rio Grande do Sul e que não queria voltar para lá, motivo pelo qual fugiu de casa na ocasião relatada por sua mãe no início da reportagem.
Causa estranheza, ademais, a negligência de sua genitora ao deixar a filha, com problemas psicológicos e menor de idade tão longe de seus cuidados.
No dia 30 de maio de 2019, após mais um surto psicótico, Gabrielly se evadiu de casa, ocasião em que a família de seu ex-companheiro iniciou uma saga incansável a sua procura, distribuindo cartazes por todo o bairro, diligenciando perante o “SOS desaparecidos”, bem como deslocando com a mãe da adolescente para registrar o respectivo Boletim de Ocorrência, mostrando-se dispostos em ajudar na busca.
Após o desaparecimento, diversas pessoas foram ouvidas na Delegacia relatando terem visto Gabrielly perante as redondezas do bairro.
É imperioso destacar que desde o início da investigação o ex-companheiro, o amigo do casal e suas respectivas famílias se colocaram inteiramente a disposição da justiça e contribuíram irrestritamente com as autoridades policiais, entregando-lhes tudo que fora requerido para o deslinde do caso.
Contudo, as investigações foram tomadas desde o começo tratando o desaparecimento como homicídio, buscando-se mais um culpado pelo crime inexistente do que a própria adolescente desaparecida, situação que causa repulsa, uma vez que não há um resquício de indício de materialidade de um suposto delito de homicídio, tampouco de autoria delitiva.
Atualmente, o inquérito policial perdura por um ano, no qual muitas vezes houveram obstáculos à defesa criados pela autoridade policial, negando acesso ao próprio inquérito policial, bem como se recusando a atender os advogados dos envolvidos, os quais são os maiores interessados em contribuir para a resolução célere do caso, notadamente diante dos atrasos das diligências policiais requeridas pelo próprio Ministério Público.
Por fim, cabe destacar que a Defesa e os envolvidos aguardam pelo fim das investigações e que o caso seja solucionado respeitando-se os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, notadamente os direitos ao contraditório e ampla defesa, sustentáculos de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.”