A Brigada Militar (BM) tem 343 policiais "emprestados" para outros órgãos dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Tribunal de Contas e até para a Presidência da República. Cedidos, os agentes deixam o patrulhamento nas ruas, ampliando o déficit da tropa atual - que é de 54%. Os dados foram obtidos por GaúchaZH via Lei de Acesso à Informação e revelam que, mesmo com centenas de PMs fora do policiamento, o número é o menor desde 2011.
O contingente cedido atualmente representa o total disponível para o policiamento em grandes cidades da Região Metropolitana, como Gravataí ou Viamão. É o dobro do contingente a serviço no batalhão do 16º maior município do Estado, Uruguaiana. O número de cedidos informado pelo governo do Estado não contempla as forças-tarefas dos presídios Central, em Porto Alegre, e do Jacuí, em Charqueadas. A Brigada Militar é responsável pela administração das duas casas prisionais, o que também reduz o efetivo na rua.
Atualmente, a corporação tem cerca de 17 mil policiais militares, um déficit de 50%. O ideal para o policiamento no Rio Grande do Sul seria pouco mais de 37 mil, segundo o Comando-Geral da BM.
A maior parte de brigadianos trabalhando fora da BM está lotada na Casa Militar, onde atuam 115 agentes. Eles são responsáveis pela segurança do governador, assessoramento e ações de Defesa Civil. Só no órgão, estão cedidos 40 oficiais, sendo 10 tenentes-coronéis, o segundo posto mais alto da carreira. Na Secretaria da Segurança Pública (SSP), auxiliando na gestão estratégica, no despacho de viaturas ou na parte administrativa, outros 110.
Outros órgãos que têm brigadianos cedidos são: Ministério Público (24), Tribunal de Justiça (23), Ministério da Justiça (22), Secretaria da Justiça e Direitos Humanos (17), Tribunal de Contas do Estado (sete), Assembleia Legislativa (seis, sendo três deles majores), Tribunal de Justiça Militar (um) e Secretaria Extraordinária de Relações Federativas e Internacionais (um).
Chama a atenção que o Rio Grande do Sul empresta quatro de seus soldados para a Casa Civil da Presidência da República. Eles trabalham diretamente em Brasília. Além disso, há um major da Brigada Militar que trabalha para a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Também há um brigadiano lotado na prefeitura de Bento Gonçalves, na Serra, um para o Conselho Tutelar e 10 nas presidências de associações de classe.
O número de policiais cedidos vem baixando no Estado. Em 2014, no governo de Tarso Genro, eram 675. Nos dois primeiros anos de José Ivo Sartori à frente do Executivo, o patamar seguiu o mesmo, apesar da crise da segurança e explosão de homicídios e latrocínios. O número de agentes cedidos começou a diminuir em 2017 (445) e seguiu tendência em 2018 (375). No primeiro ano do governo Eduardo Leite, em 2019, o número se reduziu novamente (347).
BM defende cedências; associações criticam
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr Picon, explicou que a cedência depende de decreto e não de vontade específica da chefia da corporação. Segundo o oficial, a maioria dos brigadianos emprestados trabalha na segurança de autoridades ou em áreas ligadas à inteligência. De acordo com o comandante, a BM tenta ceder "o número menor possível" de servidores:
— Não há um plano, até porque a maioria das cedências é por lei e regulamentada, mas obviamente a gente tenta, através de contatos com órgãos, o número menor possível, razoável. Estamos conseguindo boa redução. Muitos desses serviços são essenciais para a Brigada, na inteligência.
Não há um plano, até porque a maioria das cedências é por lei e regulamentada, mas obviamente a gente tenta, através de contatos com órgãos, o número menor possível, razoável. Estamos conseguindo boa redução.
CORONEL RODRIGO MOHR
Comandante da BM
Questionado sobre os três majores cedidos à Assembleia Legislativa, Mohr informou que um deles é chefe do gabinete do presidente da Casa, Ernani Polo, e os demais trabalham como ajudantes no mesmo setor.
Sobre os agentes cedidos para atuarem no sistema prisional — que não estão somados no levantamento —, o comandante informou que está em tratativas junto à Secretaria da Segurança Pública e à Secretaria da Administração Penitenciária para a retirada de policiais das cadeias. O Presídio Central é administrado pela Brigada Militar desde os anos 1990. No entanto, a troca de administração depende do ingresso de servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários.
— Obviamente que para nós o melhor era estar com os policiais na rua. Esse efetivo faz falta. No entanto, a questão dos presídios é muito importante. São elos da criminalidade com o que ocorre na rua — ponderou o chefe da BM.
Para o presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar, coronel Marcos Paulo Beck, os outros poderes deveriam contratar segurança particulares para cuidar de seus presidentes e não retirar PMs das ruas.
— Cada homem retirado do policiamento, é um homem a menos para defender a sociedade. Não podemos privilegiar autoridades em detrimento do todo, da massa do nosso povo que precisa ser protegido — avaliou Beck.
A Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf), que representa soldados e sargentos, também reprova o "empréstimo" de servidores. O presidente, José Clemente, diz que os servidores cedidos são privilegiados em relação aos que estão na rua:
— Fizemos um concurso para trabalhar na atividade de polícia militar ostensiva. É constitucional. É nossa premissa, essência do serviço. Essas outras possibilidades que deram para policiais militares, na verdade, nos parece privilégio.
O presidente da Abamf prossegue:
— Em alguns casos a gente nota policiais militares abrindo porta de carro para determinadas autoridades, carregando mala ou tirando erva de cuia em troca de função gratificada.
Polícia Civil também cede agentes
Na Polícia Civil, o número de agentes cedidos é menor. Treze trabalham em outras áreas no Estado. São sete no Ministério Público, dois na Secretaria da Casa Civil, um no gabinete do governador, um no gabinete do vice, um na Secretaria de Educação e um delegado na Assembleia Legislativa.
O número de agentes cedidos na Polícia Civil é mais de três vezes menor do que em 2014, ainda no governo de Tarso Genro. Naquele ano, eram 42 policiais trabalhando em outras áreas no Estado. Na década, o menor patamar foi em 2018, durante a gestão de Sartori, quando 11 agentes estavam cedidos.
A chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor, reforça que o número de policiais cedidos foi reduzido na atual gestão e que "praticamente todos estão na linha de frente de assuntos da segurança pública".
— A redução é até por uma questão de necessidade que aumentou na instituição e, gradativamente, eles (agentes cedidos) foram retornando — comentou.
Atualmente, a Polícia Civil tem 5,3 mil servidores e o considerado ideal é de 9 mil.
Para ao Sindicato de Agentes da Polícia Civil no Rio Grande do Sul (Ugeirm), o número de agentes cedidos não representa um prejuízo na corporação. O presidente do sindicato, Isaac Ortiz, diz que o "contingente é baixo":
— Não vejo como um problema. É importante esses policiais estarem em outras áreas, até para mostrar politicamente a polícia e aumentar nosso relacionamento e capacidade de levar demandas.