Em 10 meses deste ano, o Rio Grande do Sul teve uma corrida de policiais militares à aposentadoria. O movimento, na avaliação de entidades de classe, é uma tentativa de evitar a perda de benefícios com a reforma da previdência e também está relacionado ao temor em razão das alterações em âmbito estadual.
Dados levantados pela Brigada Militar, por meio de pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) feito por GaúchaZH, mostram que os encaminhamentos de entrada na reserva por integrantes da corporação dispararam 49% na comparação entre 1° de janeiro e 20 de outubro de 2019 com o mesmo período de 2018. Ao todo, 629 agentes pediram a aposentadoria neste ano, contra 422 no ano passado.
Somente entre os oficiais (coronéis, tenente-coronéis, majores e capitães), o aumento de pedidos foi de 60% em 2019. Foram 48 solicitações de aposentadoria por oficiais em 2019, sendo 16 coronéis - o cargo mais alto da carreira. Ano passado, 30 oficiais solicitaram aposentadoria. O movimento atinge diretamente o quadro que tem o menor número de servidores da corporação e que ocupa posições estratégicas na gestão operacional da BM.
Apenas na comparação de 20 dias de outubro dos dois anos — entre o dia 1º e 20 — o salto nas solicitações foi de 257%. Os pedidos dispararam de 28 para 100 policiais, sendo cinco de oficiais. O período de outubro coincide com as vésperas da votação da reforma da previdência pelo Congresso Nacional e também com a a apresentação pelo governo Eduardo Leite (PSDB) do pacote que altera as carreiras de servidores públicos.
Entre os oficiais que pediram para entrar na reserva em 2019 está o coronel Mario Ikeda, então comandante-geral da BM, e o coronel Marcus Vinicius Sousa Dutra, ex-chefe do Estado-Maior, o número três na hierarquia da corporação.
O comandante-geral da BM, coronel Rodrigo Mohr Piccon, reconhece o aumento nas solicitações de aposentadorias. O oficial atenua que já está previsto para os próximos três anos o ingresso de 2,5 mil soldados e 200 novos capitães.
Mas devido ao baixo efetivo, Mohr organiza reforma administrativa na BM.
— Queremos aumentar nosso poder de trabalho. Estamos iniciando modernização estrutural e de processo de rotinas para transformar nossa administração em algo mais leve, com a necessidade de menos policiais. Estamos incrementando o uso da tecnologia e de aplicativos — adiantou o comandante.
A saída dos PMs do alto escalão preocupa Mohr, que afirma ter nos oficiais a parte essencial na gestão estratégica da tropa gaúcha, mas que a renovação do efetivo é natural.
Saída de coronéis
Em 27 de janeiro, seis coronéis da turma de 1987 devem sair de uma só vez em função disso.
Atualmente, a Brigada Militar tem 22 coronéis, sendo que a previsão legal é de 26. O número abaixo de oficiais do escalão máximo faz com que unidades que têm vagas previstas para serem geridas por coronéis passem a ser comandadas por tenentes-coronéis — casos do Comando de Policiamento da Capital (CPC) e do Comando de Policiamento Metropolitano (CPM).
Se colocar 2 mil policiais em 2020, em 2055 vão sair dois mil de uma vez só. Temos de manter o ingresso regular, até pelas capacidades de nossas escolas.
CORONEL RODRIGO MOHR
Comandante-geral da BM
O numero 1 da Brigada defende a política adotada pelo atual governo de promover a entrada gradual de policiais, e não grande contingente de uma vez só:
— Esse é um problema de turmas muito grandes. Se colocar 2 mil policiais em 2020, em 2055 vão sair dois mil de uma vez só. Temos de manter o ingresso regular, até pelas capacidades de nossas escolas.
Sobre a queda dos índices na criminalidade mesmo com a tropa menor, Mohr atribui ao investimento em trabalho de inteligência e a aplicação dos policiais no último ano.
Entidades de classe dizem que policiais perdem direitos
O presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar, Marcos Paulo Beck, diz que a iniciativa da reforma da previdência de militares estaduais por parte do governo Leite desestimula novos agentes.
— Quem está com prazo para reserva, vai levar essas vantagens e vai consolidá-las no seu vencimento. Depois que foi anunciado pacote, uma pessoa que ganha x acaba ameaçada de ganhar menos de x, então obviamente que ela vai pedir a reserva.
Diretor da Associação dos Soldados, Sargentos e Tenentes da BM, Ricardo Agra, entende que o projeto estadual é a principal motivação para as solicitações da tropa:
— Têm ainda muitos pedidos represados, de pessoas que pediram e a administração não conseguiu dar despacho. Agora, com a aprovação, tenho certeza que esse número vai baixar.
A principal questão, segundo o PM, é que a gratificação de permanência vai ser restrita a pagamento correspondente à previdência. O dispositivo federal que impediu a incorporação de funções gratificadas também é citado por ele.
O item do pacote do governo Leite que fala sobre aposentadoria de brigadianos deve entrar em pauta na assembleia no fim de janeiro.
Aumento de solicitações também na Polícia Civil
GaúchaZH também obteve dados que mostram o acréscimo de pedidos de aposentadoria na Polícia Civil. Entre 1º de janeiro e 20 de outubro de 2019, 263 servidores pediram para deixar os quadros. Em igual período do ano anterior,o número era de 231. O aumento foi de 13,8%.
Somente nos 20 primeiros dias de outubro de 2019, 22 policiais civis solicitaram aposentadoria, contra 11 no ano passado. Entre os 22, oito são delegados de polícia e 12 comissários, a última classe dos agentes que investigam crimes.
Muitos dos que pediram seguiram trabalhando e, destes, muitos não querem ir embora. Querem apenas um aceno positivo de que irão assegurar os seus direitos.
NADINE ANFLOR
Chefe de polícia do RS
A chefe de polícia do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, também percebeu o movimento acelerado dos pedidos de aposentadoria. Segundo a delegada, a “corrida” se iniciou quando o dispositivo sobre aposentadoria especial para policiais na reforma da previdência federal começou ser discutido. Na avaliação dos servidores, o item trouxe insegurança jurídica para benefícios já adquiridos.
— Muitos dos que pediram seguiram trabalhando e, destes, muitos não querem ir embora. Querem apenas um aceno positivo de que irão assegurar os seus direitos — avaliou.
Ainda na avaliação da delegada, com a aprovação da reforma da previdência estadual, haverá mais segurança da garantia das regras existentes até então. O dispositivo de número 509 da reforma estadual, que fala sobre a garantia de integralidade de salário da aposentadoria de policiais civis, só deve ser votado em 2020.
Sobre efetivo, Nadine diz que "gostaria de ter muito mais", mas considera necessária avaliação realista.
— A Polícia Civil faz milagre com seu número de servidores. A recomposição ao longo dos próximos três anos é extremamente positiva. A realidade do nosso Estado não comporta mais do que isso — enfatizou.