O advogado Leandro Horstmann, preso por suspeita de usar atestado médico falso para soltar um detento, responde a processo criminal por concussão na Justiça de Canoas. Uma investigação da Corregedoria da Polícia Civil (Cogepol) apurou que ele e um comissário de polícia teriam exigido R$ 15 mil para que três suspeitos de roubarem um carro não fossem para a prisão. Conforme denúncia do Ministério Público (MP), o advogado teria saído da delegacia com o trio para buscar a propina.
Horstmann, 32 anos, foi denunciado pelo MP em dezembro de 2018 com outros cinco advogados, um delegado e dois policiais civis. Os nove são réus. A investigação constatou que criminosos presos pela Brigada Militar eram levados à delegacia e, mesmo que não fosse situação para pagamento de fiança, recebiam pedido de valores de advogados — em suposto conluio com policiais — para ganharem liberdade. O delegado Luis Francisco Pires e os policiais Luiz Carlos Nunes Pereira e Orion Gonçalves da Silva, que atuavam na Delegacia de Pronto Atendimento de Canoas, estão desde 2018 afastados das funções.
Na última quinta-feira, Horstmann foi preso pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) em decorrência de investigação sobre uso de atestados médicos falsos para libertação de detentos que se enquadrariam no grupo de risco do coronavírus. Ele teve prisão preventiva decretada e foi capturado em casa, em Gravataí. No local, policiais encontraram cerca de R$ 7 mil, três celulares e documentos, que serão analisados.
No caso de Canoas, a denúncia do MP descreve que, em 25 de fevereiro de 2016, o comissário Pereira teria perguntado aos detidos pelo roubo de um carro se queriam ficar presos ou irem embora. Com a escolha pela liberdade, o policial teria apresentado Horstmann a eles. O advogado teria pedido R$ 15 mil para que fossem soltos.
Em depoimento, os suspeitos do roubo de carro contaram que dois deles chegaram a ser reconhecidos pelas vítimas e, por isso, tiveram de deixar o local por uma porta lateral. Horstmann teria saído com eles para recolher o dinheiro. Conforme consta na denúncia, o trio só conseguiu R$ 5 mil para entregar ao advogado, que dividiria o valor com o comissário. Segundo a apuração, Horstmann teria mantido a cobrança do restante do valor e, inclusive, teria sugerido que os criminosos fizessem outro roubo para quitar a dívida, segundo o MP. Em 8 de março de 2016, dois dos três envolvidos foram presos novamente com um carro roubado.
A denúncia do MP também destacou conversas localizadas em celulares nas quais Horstmann trataria sobre pagamentos. Uma mensagem, atribuída a um dos policiais réus, diz: "A equipe está insatisfeita com a sua pontualidade. Aceitamos baixar o valor, mas tem de vir o restante pra ontem. Ou volta para o acordo inicial. O (cita o apelido de um policial) aqui tá louco pra afundar esses vagos. Fala pra eles se mexerem". A resposta, que seria de Horstmann: "Fala pra galera segurar a onda aí. Os guris estão atrapalhados. Mas são de fé. Senti firmeza neles".
Na conversa, o advogado pediria ainda ao policial que tentasse localizar a mochila de um dos suspeitos, que teria ficado na delegacia com objetos de valor. O policial avisa: "Vou achar ela, seja aqui ou com a BM. Porém Dr, avisa que só devolvo depois de estar com o negócio fechado. Não dá pra dar arrego pra vago. Sem perna de anão dessa vez".
Além da acusação contra Horstmann, o MP denunciou outros cinco advogados também por situações semelhantes: Ivo Grandini Neto, Antonio Ricardo Garlet, Márcio Fatturi Pereira, José Carlos de Quadros Neto e Márcio Gilbran Muller Gonçalves.
A investigação mostrou que havia um esquema de concorrência entre advogados para pegarem os casos naquela delegacia. Segundo a acusação, eles faziam suspeitos presos pela BM acreditarem que ficariam por anos no Presídio Central caso não pagassem algum valor naquele momento, uma espécie de fiança. Só que naqueles casos não havia confecção de flagrante nem determinação de fiança pela autoridade policial. Somente era feita ocorrência. As cobranças envolviam, normalmente, casos de receptação ou porte de arma. Apenas no caso de Horstmann que a prisão dos suspeitos era por roubo de veículo.
A OAB-RS, que suspendeu Horstmann por causa das suspeitas em relação ao esquema de uso de atestado médicos falsos, informou que desconhecia essa acusação contra ele e contra os demais advogados.
Contrapontos
O que diz o delegado Luiz Francisco Pires
GaúchaZH não conseguiu contato com a defesa.
O que diz o comissário Luis Carlos Nunes Pereira
"Não quero me manifestar".
O que diz o policial Orion Gonçalves da Silva
GaúchaZH não conseguiu contato com a defesa do policial.
Leandro Horstmann
GaúchaZH fez contato com o advogado cujo nome está registrado na página do Tribunal de Justiça, mas ele disse não ser o defensor de Horstmann.
Ivo Grandini Neto
GaúchaZH deixou recado, mas não obteve retorno.
Antonio Ricardo Garlet
GaúchaZH deixou recado, mas não obteve retorno.
Márcio Fatturi Pereira
GaúchaZH deixou recado, mas não obteve retorno.
José Carlos de Quadros Neto
"Não tenho interesse nenhum em falar".
Márcio Gilbran Muller Gonçalves
"Não tenho conhecimento (do processo)."