
De corpo magro e porte aprumado, Dionatha Bitencourt Vidaletti tem o costume de praticar airsoft, modalidade esportiva que simula um combate militar entre equipes com o uso de armas de pressão. Preso nesta terça-feira (28) pela morte de três pessoas em uma discussão de trânsito, o homem de 24 anos demonstra deferência à pratica, vestindo terno, camisa e gravata para as chamadas "batalhas" entre times adversários.
É assim, alinhado, em roupas bem cortadas, que o atirador aparece nas imagens do grupo que integra, de Canoas, na Região Metropolitana. Publicadas e, mais tarde, apagadas das redes sociais, as fotos mostram Dionatha segurando um simulacro de pistola sob luvas azuis, usando uma meia transparente na cabeça.
O grupo tem seis membros e descreve ter o intuito de "diversão com o esporte e manutenção das amizades". Procurado, um integrantes do time não respondeu aos pedidos de entrevista. No Facebook, a página da equipe, usada para o compartilhamento de vídeos e disseminação da prática, foi deletada.
As imagens localizadas pela Polícia Civil na rede social corroboram com o depoimento de um parente de Dionatha, que contou ao delegado Rodrigo Pohlmann Garcia sobre o hábito do atirador. Antes disso, Garcia ainda estava intrigado com a perícia do homem no manuseio de armas. Na briga, ele deu tiros certeiros que atingiram a cabeça e o pescoço das vítimas.
— Isso demonstra a inclinação dele em atuar em áreas que têm o manuseio de armas e ligadas à segurança — diz Garcia.
Para diferenciá-los de uma arma de fogo, os simulacros costumam ter a ponta em tom laranja. Podem ser comprados no comércio especializado por valores entre R$ 200 a R$ 1,8 mil, variando segundo a potência. Para adquiri-los, basta ser maior de 18 anos. Na compra, as lojas tiram uma cópia do documento de identidade do cliente e emitem um certificado.
Todas as armas de pressão usam esferas de plástico de 6 milímetros, independentemente do modelo, de acordo com um comerciante consultado por GaúchaZH. Muda o peso da bolinha. Já as categorias de enfrentamento se diversificam conforme a modalidade escolhida pelos praticantes. Há estratégias desde a captura de bandeira até a tomada de bases, sediadas em locais abandonados como terrenos e prédios.
— O treinamento com arma de fogo e de pressão é muito semelhante — afirma o presidente da Federação Gaúcha de Tiro Prático, Ivan Keller.
Além da atividade esportiva, Dionatha teve acesso a armas "reais" há seis anos, quando serviu ao Exército. O atirador ingressou na atividade militar obrigatória no dia 1º de março de 2014, quase cinco meses depois de completar 18 anos. Serviu no 3º Batalhão de Comunicações, no bairro Serraria, em Porto Alegre, e, na condição de temporário, não cumpria requisitos para pedir registro de armas.
Dionatha foi dispensado um ano depois, mas, a familiares, nunca escondeu a intenção de retornar às Forças Armadas.Na foto de perfil no Facebook, deletada após os assassinatos, vestia calças e camiseta camufladas.
Recentemente, disse a parentes que estava à procura de curso para segurança de carro-forte para se matricular.
O atirador é descrito por conhecidos como um jovem introspectivo, de poucos amigos e parca vida social. Tinha o hábito de acompanhar os pais no comércio administrado pela família, um mercadinho em uma rua pouco movimentada no bairro Nonoai, na zona sul da Capital.
Em um desses dias, em dezembro de 2017, Dionatha presenciou um assalto ao estabelecimento. Após esse episódio, a mãe dele teria ido atrás da posse de arma, prestando curso e exame para obtê-la — no nome dela, estão registradas uma pistola 380 e uma espingarda. A pistola 9 milímetros usada no crime, porém, é ilegal.
Dionatha sequer havia atingido a idade mínima para solicitar o registro, estabelecida em 25 anos pela lei. Segundo apurou a Polícia Civil, ele não tinha personalidade agressiva. Por isso, agentes e familiares perguntam-se o que aconteceu para ele "se transformar" a ponto de virar um assassino.
— Ele é conhecido como um filhinho de papai. Sua mãe fazia todas as vontades, e o pai dizia para ele nunca levar desaforo para casa — descreve um vizinho.
Contraponto
Os advogados Marcos Ribeiro de Sousa e Michelle Costa Brião de Sousa se manifestaram por meio de nota:
"Dionatha já foi condenado pela mídia e opinião pública antes mesmo de ter sido indiciado, processado e julgado. Nosso cliente exercerá o seu direito à ampla defesa e contraditório, os fatos serão demonstrados com clareza.
Ninguém tem o direito de matar, mas ninguém tem a obrigação de morrer sem defender sua mãe e a si próprio. A perícia irá demonstrar a veracidade quanto às alegações de violência física sobre o acusado e sua mãe.
A defesa protocolará um pedido de revogação de prisão preventiva e, se necessário, será impetrado habeas corpus a ser dirigido ao Tribunal de Justiça do RS.
Nossas alegações serão no sentido de que Dionatha Bitencourt Vidaletti é réu primário (ex-militar, sem nenhum antecedente criminal ou policial), possui residência fixa, trabalho lícito, além de ter se apresentado espontaneamente e estar disposto a colaborar com as investigações."