Parecer enviado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública ao Palácio do Planalto afirma que a criação da figura do juiz de garantias dificulta ou inviabiliza a elucidação de casos complexos, como crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e delitos contra o sistema financeiro.
No entendimento da pasta, a divisão de atribuições para dois magistrados atrapalha a dinâmica dos processos e investigações.
O documento técnico obtido pela reportagem foi enviado na semana passada por Sergio Moro a Jair Bolsonaro, que ignorou a maioria das sugestões de vetos indicados pela pasta no chamado pacote anticrime.
Ao todo, o parecer sugeria 38 vetos de diversos assuntos. Desses, o presidente acatou nobe. No documento, o ministério menciona ter recebido "múltiplas manifestações contrárias ao instituto do juiz das garantias".
A partir da entrada em vigor da lei, um inquérito terá um juiz específico para a etapa inicial, sendo esse magistrado o responsável exclusivo por autorizar medidas de interceptação telefônica e busca e apreensão, por exemplo.
Depois, quando recebida a denúncia ou a queixa, o juiz de garantias deixará o caso, que ficará nas mãos do que a nova legislação chama de "juiz de instrução e julgamento".
O presidente da República descartou as recomendações para o veto e manteve a proposta do pacote sancionado nesta terça-feira (24).
A equipe técnica do Ministério da Justiça tentou construir a defesa do veto afastando argumentos que exploram a existência de contaminação de magistrados em processos, ponto que foi utilizado por parlamentares como razão para a inclusão da proposta no texto final do Congresso.
"Não há comprovação fatídica, tampouco científica, de que o modelo atual não vem se apresentando satisfatório e, por isso, necessitando de reformulações tão drásticas".
Além disso, o documento embasa boa parte da argumentação pelo veto da novidade jurídica na premissa de que a medida impõe a necessidade de aumentar o número de juízes pelo país.
Os defensores da nova legislação argumentam, porém, que não exigirá mais magistrados, mas sim uma mudança de funções e competência.
O ministério sustenta que o sistema precisará ter mais juízes pelo fato de diversas comarcas pelo Brasil terem apenas um juiz atuando — cerca de 40% delas, como afirmou Moro ao se manifestar sobre o assunto em nota.
O pacote anticrime altera pontos importantes da legislação penal e processual penal.
Após a sanção, o ministro afirmou que "não é projeto dos sonhos, mas contém avanços". "Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente", escreveu nas redes sociais.
Horas depois, Bolsonaro também se manifestou, dizendo não poder sempre dizer não ao Congresso.
"Na elaboração de leis quem dá a última palavra sempre é o Congresso, "derrubando" possíveis vetos. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimento. Parabéns a Sérgio Moro, que, depois da votação e sanção presidencial , obteve avanços contra o crime", postou o presidente.
Entenda argumentos para pedido de veto ao juiz de garantias
- A criação do juiz de garantias impõe necessidade de contratações, interferindo na organização do Poder Judiciário, o que é contra a Constituição e contra jurisprudência do Supremo [que dizem que compete ao próprio judiciário propor projeto de lei que crie cargos e órgãos]. A sugestão de veto afirma que nem o presidente da República teria "condão de sanar esse defeito jurídico radical".
- A nova legislação viola um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias por não colocar no projeto uma estimativa de qual será o impacto orçamentário e financeiro da mudança.
- Há violação ao principio da proporcionalidade. De maneira resumida, tal princípio constitucional serve para que não haja excesso do poder público.
- A reforma da legislação pode impactar na dinâmica das investigações. Segundo o texto, o juiz do julgamento tem fundamental importância na fase investigativa. "Ao cindir as atribuições, contudo, todo esse trabalho árduo de anos seria 'perdido'", diz trecho do parecer. Isso dificultaria ou até mesmo inviabilizaria a elucidação de casos complexos.
- Há violação ao pacto federativo, já que a proposta interfere não só em questões processuais, mas também de cunho estrutural, impondo a necessidade de alocação de recursos para garantir a mudança legislativa.