Descrito como um homem discreto, Carlos Alberto Moreira Zanchy, 65 anos, desinibia-se quando o assunto era o Grêmio. Deixava de lado as duas filhas e o neto, suas paixões, para assistir às partidas do time, do qual era sócio desde a adolescência.
Pelo Facebook e também na pele, exibia o entusiasmo pelo clube. Em seu perfil na rede social, publicou fotos da Arena, da bandeira tricolor e até de uma montagem dizendo "pequeno o detalhe do meu sangue ser vermelho, diante ao mar e ao céu, é azul o mundo inteiro". Em um dos braços, tatuou o símbolo da equipe dentro de um tribal.
No domingo (25), seis horas depois de o time confirmar uma vaga para a Libertadores, o torcedor foi morto com um golpe na cabeça na Avenida Cairu, no bairro São João, em Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, os indícios apontam para latrocínio.
O crime consternou os funcionários das Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa), onde Zanchy trabalhou durante duas décadas. No local, o fanatismo pelo Grêmio fez com ganhasse a fama de ser "o cara mais gremista da Ceasa".
— Ele era muito responsável, sério e tímido. A sua grande paixão era o Grêmio — conta o presidente da Ceasa, Ailton dos Santos Machado.
Antes da central de abastecimento, Zanchy atuou na antiga Companhia Riograndense de Laticínios e Correlatos (Corlac). No início da década de 1990, foi transferido para a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e, ao ser desligado, passou a integrar o quadro das empresas terceirizadas do setor administrativo da Ceasa. Por dois anos, morou em Fortaleza para trabalhar em um negócio da família, mas acabou retornando a Porto Alegre.
De acordo com Machado, a cada mudança de contrato com as terceirizadas, a direção pedia que Zanchy fosse incorporado ao quadro da nova empresa. Contador, ele trabalhava na tesouraria, um cargo considerado de confiança na central. De segunda a sexta-feira, chegava de ônibus ao escritório, pontualmente às 8h15min. Segundo os colegas, nunca teve um atraso.
— Era muito responsável e correto, até demais — afirma Cláudia Teresinha dos Santos, gerente financeira da Ceasa.
Cláudia era colega de Zanchy há 30 anos, desde os tempos de Corlac. Ela recebeu a notícia sobre a morte do amigo minutos após o crime, avisada pela filha mais velha, Raquel Zanchy, 30 anos. Aos prantos, a primogênita anunciou: "Encontrei meu pai morto, encontrei meu pai morto".
— Humilde, trabalhador e guerreiro. Não matava nem uma mosca, de tão bom que era — descreveu Raquel.
No domingo, Zanchy havia passado o dia na companhia de Raquel. Separado, também era pai de Rafaela, 22 anos.
Depois do almoço, a família foi para um sítio no Caminho do Meio, onde o avô jogou bola e, mesmo avesso às câmeras, tirou fotos com o neto Davi, quatro anos. À noite, o contador disse que iria buscar leite na casa de uma das três irmãs, Gislaine da Silva, 66 anos, moradora da vizinhança.
Raquel insistiu para que ele pegasse uma caixa de sua casa, mas o pai quis ir mesmo assim. Pouco antes das 22h, Zanchy estacionou o carro sob o viaduto José Eduardo Utzig, no entroncamento das avenidas Benjamin Constant e Cairu. Ele caminhou até o prédio de Gislaine e, como o interfone estava estragado, telefonou para que ela jogasse a chave pela janela do quarto andar.
Gislaine atendeu a ligação, mas Zanchy não respondeu. Diante do silêncio, correu até a janela e avisou o irmão, estendido na calçada, atingido por um golpe na têmpora direita.
— Dói ver isso acontecendo com as pessoas, mas eu nunca imaginei que fosse acontecer conosco. Dá a sensação de perda de esperança. Estamos num mundo em que a violência está tomando conta e não temos para onde correr —desabafou uma das sobrinhas do contador, Marina Zanchy, 36 anos.
O criminoso fugiu levando o celular de Zanchy, deixando para trás a capinha do aparelho e a carteira do contato, com cerca de R$ 300. A 4ª Delegacia de Polícia Civil investiga o latrocínio. O enterro de Zanchy será no cemitério João XXIII, na manhã de terça-feira (26).