A calmaria da pacata Arroio Abelha, localidade no interior de Sério, município de 2 mil habitantes do Vale do Taquari, foi quebrada por um crime que a comunidade não consegue entender. Os corpos de Imério Ferri, 66 anos, do seu filho Odair Ferri, 38 anos, e de Cesar Mario Verruck, 46 anos, foram velados na tarde desta segunda-feira (4) por uma vizinhança incrédula. O velório aconteceu no salão da Comunidade Santo Antônio, lotado de familiares e amigos que pareciam não acreditar no que aconteceu.
Os três foram assassinados enquanto jogavam cartas em um salão comunitário por volta das 15h30min de domingo por Vanderlei Mattes, 32 anos. Foram pelo menos 42 disparos de pistola 380. Os tiros feriram também Alécio José Ferri, 60 anos, transferido para um hospital em Canoas, e Valdemiro Matthes, 58 anos, pai de Vanderlei. Ele estava internado no Hospital Bruno Born, em Lajeado, e, segundo a assessoria da casa de saúde, passou por cirurgia no braço e recebeu alta nesta segunda-feira (4). O corpo de Vanderlei foi sepultado em uma localidade vizinha.
O agricultor Evandro Pedro Schmitz, 31 anos, é um dos sobreviventes do ataque. Ele conseguiu escapar porque tropeçou em uma das vítimas e caiu próximo a uma porta. Foi quando conseguiu fugir:
— Fui até no fim do salão, me embrenhei no mato e me joguei numa ribanceira. Me atirei. Fui só rolando, eu não sentia mais as pernas. Nada. Até que eu consegui sair em uma outra comunidade, onde pedi socorro, fui me arrastando até lá.
Com alguns arranhões nas pernas, Evandro conta do pavor que sente ao lembrar da cena. Segundo ele, Vanderlei deu pelo menos cinco tiros em cada vítima. O agricultor diz não entender o que levaria Vanderlei a abrir fogo contra amigos, vizinhos e o próprio pai:
Ontem ele chegou lá e simplesmente fez uma barbaridade dessas. Nunca houve nenhum desentendimento entre nós. Foram minutos de terror. Não tem filme igual.
EVANDRO PEDRO SCHMITZ
Um dos sobreviventes
— A gente cresceu junto. Tudo mundo vizinho próximo. Ele vinha lá, tomávamos cerveja. Eu, ele e o Odair sempre juntos. Ele e o Odair faziam festa em Lajeado. E ontem ele chegou lá e simplesmente fez uma barbaridade dessas. Nunca houve nenhum desentendimento entre nós. Foram minutos de terror. Não tem filme igual. Caí na porta e aproveitei a oportunidade para correr. Ele sabia atirar, atirava bem. Há um mês atrás ele nos mostrou o registro da compra da arma. Ele não errou um tiro.
Odair Ferri era o braço direito do pai, Imério. Ambos plantavam hortaliças e criavam animais. O filho, solteiro e sem filhos, seguia morando com os pais. Nunca quis deixar a família.
— Ele dizia que nunca sairia de perto da gente — recorda a mãe, Loeci Ferri, 63 anos.
Jogar cartas e frequentar o salão da comunidade era um hobby de ambos. Sábados e domingos, após o almoço, batiam ponto no mesmo local:
— Não entendo como isso foi acontecer. Meu marido jogava carta todo final de semana. Todos somos conhecidos. Meu filho era um guri bom, não fazia mal a ninguém. Trabalhador, só queria saber da família — diz a mãe.
Recuperado de uma cirurgia nas costas, Imério estava contente por poder voltar as atividades da propriedade. Odair também fazia bico como pintor e cortava lenha:
Era um cara que fazia de tudo para ajudar os pais. Terminou de pintar nossa casa na semana passada. Não tinha inimigos, todo mundo gostava dele.
NÍRIA DENISE FERRI
Prima de uma das vítimas
— Era um cara que fazia de tudo para ajudar os pais. Terminou de pintar nossa casa na semana passada. Não tinha inimigos, todo mundo gostava dele. Não fazia mal a ninguém. Até agora parece que não é verdade que isso aconteceu — diz a prima de Odair, a costureira Níria Denise Ferri, 26 anos.
Secretária de Turismo de Sério, Carla Ferri, 29 anos, parente de Imério e Odair Ferri, conta que não conhecia qualquer rixa entre as famílias:
— Tudo mundo se ajuda e se dá bem.
Apenas 30 famílias na comunidade
Distante 10 quilômetros da zona urbana de Sério, Arroio Abelha abriga uma comunidade majoritariamente católica de cerca de 30 famílias que vivem da agricultura. Os moradores se orgulham da calmaria do lugar. Vivem despreocupados com a violência:
— Aqui não tem roubo, não tem assalto e se tu chegar em qualquer casa vai ver que a porta está aberta. Não se usa chave aqui. Eu durmo de porta aberta — frisa o suinocultor Levino Eckert, 60 anos.
Ele estava jogando cartas em outro bar da comunidade com Walter Verruck, 70 anos, pai de Cesar, quando o amigo recebeu a notícia que o filho havia sido morto:
— É o que a gente faz quase todo final de semana para passar o tempo. Aqui não é lugar de briga. Deve fazer no mínimo 10 anos que não tem uma briga aqui na comunidade. Não dá para expressar o que a gente está sentindo.
Deve fazer no mínimo 10 anos que não tem uma briga aqui na comunidade. Não dá para expressar o que a gente está sentindo.
WALTER VERRUCK
Morador de Arroio Abelha
Cesar, também suinocultor, morava com a filha de 18 anos e a esposa, e há pouco tempo havia terminado de quitar o financiamento de 10 anos dos equipamentos da propriedade:
— Ele dizia que agora estava pronto para aproveitar a vida com calma — recorda Eckert.
Criador de vacas, Silvio Ferri perdeu o primo, Imério e teve o irmão, Alécio, baleado nos braços. Ele conta que teria ido ao local do crime, como tinha de hábito aos finais de semana, mas foi impedido porque uma vaca entrou em trabalho de parto:
— Estava me programando para ir jogar cartas e, de última hora, decidi ficar em casa. É chocante demais uma coisa dessas. Eu também podia estar morto.
Rapaz tímido
Agricultor, Vanderlei Mattes, 32 anos, trabalhava com o pai em uma lavoura de fumo. Havia comprado uma arma há um mês e mostrado o registro a conhecidos. Amigos o descrevem como um rapaz tímido. Vanderlei chegou a trabalhar para os Ferri, pai e filho assassinados por ele.
— Ele era fechado, não fazia piadas. Não gostava de se misturar muito — recorda Evandro, que conseguiu fugir do ataque, e diz ter crescido junto com Vanderlei.
No velório coletivo, enquanto as famílias choravam a perda de seus entes, conhecidos tentavam encontrar motivos para a atitude de Vanderlei. Ninguém arriscava uma justificativa:
É um choque para todos. É um grande mistério entender o que teria levado ele a fazer isso
JACINTA FRANK FEIX
Professora
— Era um guri que não fazia mal a ninguém. Não era de briga. Não sei o que deu nele para fazer uma tragédia dessas — recorda Silvio Ferri.
— É algo completamente assustador, não parece real. É um choque para todos. É um grande mistério entender o que teria levado ele a fazer isso — afirma a professora Jacinta Frank Feix, 56 anos.
— Fizemos diligências e fomos na casa do atirador. E segue sendo um mistério. Só falta falar com a mãe e o pai dele. O pai teve alta do hospital agora à tarde. A nossa ideia é falar com eles a partir de amanhã. Ele não tinha computador, mídias, nada que pudesse ajudar a descobrir um possível plano. O Vanderlei investiu na compra da arma, ela estava registrada no nome de uma empresa. A situação está bem intricada —afirma o responsável pelo caso, delegado Augusto Cavalheiro Neto, titular da Delegacia de Encantado.