A Polícia Civil de Minas Gerais indiciou seis pessoas — das quais cinco já estão presas — por crimes de tortura, com casos de agravamento resultando em morte, estupro e lesão corporal. As vítimas eram pacientes de uma clínica para idosos, pessoas com transtornos mentais ou com problemas graves de locomoção em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Segundo a polícia, 18 pessoas morreram na clínica desde 2015 em decorrência de agressões físicas ou devido a quadros agravados por negligência dos cuidadores. A investigação aponta 76 vítimas, além de dois casos de estupro de vulnerável.
O inquérito foi concluído e apresentado nesta quarta-feira (2). Das seis pessoas indiciadas, cinco estão presas — quatro são da mesma família, que é dona da clínica, e um é funcionário do local. A defesa dos proprietários nega as acusações.
— Um senhor chegou ao hospital com bicheira (parasitas) nas feridas, outro com quadro de infecção grave, por conta de feridas não tratadas. A gente consegue fazer esse liame de que tudo que aconteceu ali ou foi gerado por essa negligência, por essas agressões ou foi acelerado por elas — afirma a delegada responsável pelo caso, Bianca Prado.
Foram indiciados pelos crimes a proprietária da clínica, Elizabeth Ferreira Lopes, o marido dela, Paulo Ferreira Lopes, as duas filhas, Poliana e Patrícia, e o funcionário Jorman Alexander Venâncio do Amaral — todos eles estão presos. O dono do imóvel, que não teria relação com a clínica, foi indiciado por lesão corporal e aguarda em liberdade.
O inquérito ouviu cerca de 50 pessoas, entre pacientes, funcionários, familiares de pessoas que morreram enquanto internadas na clínica e a equipe médica que atendeu os pacientes após a clínica ser fechada, em julho.
Segundo a delegada, alguns dos relatos ligam os cinco presos às agressões e à tortura. Elas vão desde socos e chutes até episódios em que idosos eram punidos sendo molhados com balde de água fria e obrigados a permanecer com a mesma roupa.
A investigação da Polícia Civil mineira começou por uma denúncia depois que dois pacientes da clínica morreram no mesmo dia, em julho, no Hospital Municipal Madalena Calixto, em Santa Luzia, com quadro de desidratação e desnutrição severa.
No dia em que recebeu a denúncia, 25 de julho, a polícia foi até o local. Mais tarde, a vigilância sanitária interditou a entrada de novos pacientes. A dona e uma das filhas foram presas em flagrante. O local funcionou por mais uma semana, sob supervisão da prefeitura, até ser fechado.
A clínica cobrava mensalidades entre R$ 900 e R$ 1.300. A dona também era pastora de uma igreja evangélica na cidade. Entre 2015 e julho deste ano, tempo em que funcionou, a clínica mudou de endereço três vezes. A última casa, segundo a delegada, era grande e tinha uma parte em construção onde viviam alguns dos pacientes. A clínica tinha cerca de 40 deles, em quartos com até oito pessoas.
Os casos de estupro apontados no inquérito de mais de mil páginas, segundo a polícia, teriam como vítimas um homem de 70 anos e uma jovem cadeirante de 23. O homem relatou à policia ter sido forçado a fazer sexo oral na proprietária.
A jovem, que tem atrofia nos membros inferiores e superiores, não tem condições de tirar a própria roupa. Testemunhas relataram à polícia, segundo a delegada, que era comum vê-la vestida para dormir e encontrá-la nua no dia seguinte.
Ao menos uma testemunha relatou à polícia que viu tanto a proprietária quanto o marido dela beijando a jovem na boca à força. Outra interna disse à polícia que ouvia a jovem gritando à noite.
O dono do imóvel, sexto indiciado e único que está em liberdade, responde por lesão corporal leve por depoimentos de testemunhas que dizem tê-lo visto agredir a jovem a tapas.
O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público de Minas Gerais, que decidirá sobre a denúncia. Nesta semana, foi devolvido à polícia para realização de diligências pendentes, segundo o órgão.
A Promotoria já havia ajuizado uma ação civil pública para impor obrigação de regularização das condições de instalação e de funcionamento do referido asilo, sob pena de interdição judicial e fechamento.
Outro lado
O advogado Welbert de Souza Duarte, que representa os quatro indiciados da mesma família, não quis comentar o teor das investigações.
— Eles negam autoria de qualquer tipo de crime, de qualquer acusação feita contra eles nesse inquérito. Vou aguardar denúncia — afirmou.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa do funcionário preso e com a do dono do imóvel que responde em liberdade. Segundo a polícia, os dois têm advogados constituídos, mas não souberam informar os nomes. Em depoimento à polícia, os dois negaram as acusações, diz a delegada.