Membro do Ministério Público desde 1990, sempre atuando na área criminal, o promotor Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo, 57 anos, aposta na construção de presídios para fazer frente à criminalidade e critica o que diz ser uma "mentalidade abolicionista", que defende prender cada vez menos.
Atuando na 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, ele fala do medo imposto por criminosos a moradores de periferia. Foi Azevedo que denunciou e pediu a prisão preventiva de suspeitos apontados como líderes do tráfico de drogas na Vila Nazaré e como responsáveis pela execução de dois irmãos com mais de cem tiros.
Confira trechos da entrevista que ele concedeu depois da Operação Renitência, deflagrada na última quinta-feira (22):
O trabalho que resultou na operação Renitência envolveu investigação de tráfico e de homicídio e chegou, conforme a polícia, aos líderes do tráfico da Vila Nazaré. Esse é um caminho para reduzir o poder de traficantes e prendê-los?
Noventa por cento dos homicídios que há em Porto Alegre, no mínimo, têm ligação com o tráfico de entorpecentes. Durante muito tempo fiquei na dúvida se a legalização da maconha não seria boa, pois, afinal, a pessoa vai numa esquina e compra. Uma época, pensava que tinha que legalizar. Mas não dá para legalizar. Qual é a saída: não sei. A perseguição não termina com o tráfico, mas se libera vai ficar pior. É complicado.
No caso da Vila Nazaré, de dois irmãos mortos à luz do dia com mais de 100 tiros, a polícia teve dificuldades para obter testemunhos.
Nós temos um problema. A polícia faz o possível para desempenhar as suas funções da melhor maneira e desvendar os crimes. Nas delegacias de Homicídios o pessoal trabalha muito, se empenha. Trabalhei com a polícia de 35 anos atrás. A polícia de hoje deu um salto de qualidade, são pessoas de excelente nível. O pessoal da Homicídios, com quem tenho contato, dá o sangue pelo trabalho e o problema é que realmente, às vezes, a gente se agarra num fiapo, num fio de cabelo e vai até o fundo. Mas a Justiça muitas vezes não concorda, quer uma prova assim que é quase uma filmagem (do crime sendo cometido). Aí não dá. Tem que somar um mais um para poder oferecer a denúncia e tentar um processo e, às vezes, os juízes exigem uma prova de quase impossível obtenção na fase de recebimento da denúncia, o que acaba não dando início ao processo penal.
Moradores da Nazaré se dizem ameaçados pelo tráfico, pedem ajuda para serem logo transferidos da vila.
A periferia de Porto Alegre vive acuada, vive amedrontada. O Estado não chega lá e a polícia faz o que pode e faz muito. E cada vez (os criminosos) estão mais cruéis. Tenho um caso em que a juíza não recebeu a denúncia. Nesta situação os criminosos mataram a vítima e depois arrancaram o coração do sujeito. A juíza afirmou que " a prova utilizada pelo Ministério Público para embasar a denúncia, a fim de iniciar o processo seria muito pouca, e seriam necessários maiores indícios". Entretanto, a polícia obteve indício, que pode não ser aquele que a magistrada gostaria, mas que pode servir para iniciar o processo, e com a instauração do processo outras provas surgirão. Então, tenho que entrar com recurso para ver se o Tribunal recebe a denúncia.
O senhor avalia que o sistema judicial não está preparado para combater o crime no nível em que está, com a ação de facções?
Todo mundo fala do problema prisional. O problema prisional é, aspas, muito simples de resolver: tem que fazer bons presídios, ninguém é a favor de deixar as pessoas daquele jeito. Mas ninguém gasta dinheiro para fazer presídio. Então, vejo uma mentalidade que existe hoje que é abolicionista. Há um pensamento em alguns setores do direito penal contrário à pena carcerária, então, isso dificulta a construção de novos presídios.
Senhor entende que há uma tendência em soltar até mesmo criminosos perigosos?
Tu observa o seguinte na imprensa: "Temos que esvaziar os presídios". Eu nunca vi alguém dizer "temos que construir presídios". Isso me enlouquece. Temos que construir e aperfeiçoar e fazer bons presídios. Mas é sempre assim. Conselho Nacional de Justiça: "temos que esvaziar presídios, tem muita gente presa". Mas tem muita gente presa por quê? Juiz e promotor são uma tropa de irresponsáveis, psicopatas que querem colocar as pessoas na cadeia? Não. Estão presos por que o índice de criminalidade é tremendo. E olha que 5% dos crimes cometidos é que têm descoberta a autoria. E dizem que se prende demais. Não se prende demais, se prende por que têm que estar presos.
Mas adianta prender mais nas condições em que estão os presídios?
Tem que investir. Mas ninguém quer, só querem soltar. Há um viés ideológico muito forte, porque hoje a ideologia dos grandes setores da Justiça é abolicionista. Não querem que as pessoas fiquem presas, querem soltar todo mundo. Não dá. Hoje, no Rio Grande do Sul, quem está preso é psicopata, bandido. Não tem ladrão de bombom.
O senhor diria que a maioria da população carcerária do Estado é de presos perigosos, psicopatas, ou ainda é o ladrão batedor de carteira?
O batedor de carteira não vai mais preso, posso afiançar.
O presídio resolve para esse tipo de pessoa, o criminoso psicopata?
Sim, tem que ficar encarcerado, longe da sociedade. Tem um cara que cortava as pessoas com serra elétrica e mandava filmar. Tu vai fazer o que com um cara desses? Vocês não imaginam: matar para eles é uma coisa tão simples como tomar um guaraná na esquina. É assim que funciona. Então tem que manter encarcerado, essas pessoas não podem conviver. Eles têm que saber que, se matar, vai ficar encarcerado. Mas no Brasil é rotativo: não prende porque não tem lugar, mas fazer presídio também não, vamos soltar todo mundo. Isso é entendimento do Conselho Nacional da Justiça. Tem que soltar, soltar, prender menos.
O que fazer para melhorar a situação dos moradores de periferia que vivem acuados, como na Vila Nazaré?
O Estado tinha que entrar nestes lugares, sei que é assunto manjado. Na Nazaré, no Rubem Berta. Esses lugares todos tinham que ter uma delegacia, um posto da Brigada, um hospital, pessoas do Estado, agentes sociais. Mas isso custa caro.
O Estado não tem dificuldade até de atuar dentro dos presídios?
É o que eu disse. Tem que investir construindo, dando emprego. Uma colega me contou que em Santa Catarina estão com sistema fantástico de presos trabalhando para o empresariado e ganhando salário mínimo, e ressocializando. Aqui a coisa está muito parada de uma maneira geral. A coisa vai e volta. Para fazer um presídio é um carnaval, conseguem dinheiro, devolvem o dinheiro. O Rio Grande está travado. Não sei como vai terminar isso. É muito complicado. A polícia luta com o que pode, e até compreendo que os juízes digam "ah, com isso aqui não dá (para condenar)". Mas é o que se tem para se evitar que vire um caos total, pois sempre, pelo menos, ainda existe a possibilidade de tu cometeres um crime e ser processado. Como já foi dito: "Ao mal do crime, o mal da pena".
Contrapontos
O que diz o Tribunal de Justiça:
Por meio da assessoria de imprensa, informou que não iria se manifestar sobre o assunto.
O que diz o Conselho Nacional de Justiça:
Por meio da assessoria de imprensa, informou que não iria comentar as declarações do promotor.