
A falta de espaço para detentos em prisões gaúchas contrasta com a existência de 267 vagas, interditadas há mais de um ano no Complexo Prisional de Canoas, na Região Metropolitana. As duas galerias foram fechadas no final de março do ano passado após um incêndio, que danificou as redes hidráulica e elétrica. As chamas teriam sido provocadas por presos que não concordaram com regras impostas, como uso de uniforme.
O espaço atingido compreende duas galerias da Penitenciária de Canoas (Pecan) 2, com capacidade para 128 presos cada uma, e a área chamada de seguro, reservada para detentos que não podem conviver com outros, como os condenados por crimes sexuais.
A novidade agora é que a obra pode ser custeada por recursos da Justiça, advindos de medidas alternativas. Para a reforma seriam necessários cerca de R$ 250 mil, segundo apuração de GaúchaZH.
Conforme a juíza Patrícia Fraga Martins, que está de saída da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, foram feitas exigências à Secretaria da Administração Penitenciária Estadual (Seapen) para a liberação do dinheiro. Entre elas, que haja aumento do número de agentes penitenciários que atuam no local e a manutenção do perfil de presos que a unidade recebe, que não pode ter ligação com facções criminais.
— É dinheiro da sociedade, utilizado em serviço à comunidade. O Judiciário jamais poderia concordar em utilizar para presos faccionados. Não queremos um segundo Presídio Central. Tem de ser algo que a sociedade almeja, que não seja controlado por facção — observou a magistrada.
O governo solicitou à Justiça R$ 160 mil para a reforma da área incendiada, conforme o juiz Luciano André Losekann. Do total, R$ 60 mil foram liberados na última quarta-feira. O restante do valor deve vir de outras comarcas. Conforme a juíza, a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre não teria recursos suficientes.
Quando tiver início, a previsão é que a obra seja concluída entre 30 a 45 dias. No entanto, conforme a Seapen, ainda não há prazo para a reforma ser iniciada já que, por enquanto, estão sendo consultados orçamentos.
Para a liberação do valor, os juízes levaram em consideração a falta de recursos do governo do Estado e a possibilidade de a obra ficar ainda mais cara se fosse seguido o rito normal, com abertura de licitação. Além disso, foi levado em conta o acúmulo de presos em delegacias e em viaturas.
"É público e notório que a perda desses espaços de cumprimento de pena tem feito com que parte dos presos pelas Polícias Militar e Civil acabem permanecendo provisória e indevidamente, às vezes por várias horas ou dias, no interior de viaturas policiais, estacionadas em frente ao Palácio da Polícia, nesta Capital ou em DPs da Região Metropolitana. O projeto, pois, possui urgência para a recuperação das vagas e, bem por isso e pelo que acima foi registrado, possui interesse e finalidade sociais", salientou o magistrado na decisão da última quarta-feira.
Os recursos são provenientes das chamadas prestações pecuniárias, quando condenações de até quatro anos de prisão são convertidas em penas alternativas, com o pagamento de multa de um até 360 salários mínimos.
"Falta de agentes tem sacrificado Pecan", avalia juíza
Desde que entrou em operação, há dois anos, o complexo prisional nunca escapou da falta de agentes penitenciários. No final de outubro de 2017, a Brigada Militar chegou a assumir o controle da Pecan 2 até a formatura dos novos servidores. Em março de 2018, os agentes assumiram o controle da prisão. Apesar da entrada de novos funcionários, a situação persiste, segundo a juíza Patrícia Fraga Martins.
— A falta de agentes penitenciários tem sacrificado muito a Pecan — salienta a juíza.
De acordo com estimativa do promotor de execução criminal Alexander Thomé, há atualmente um déficit de 80 servidores nas quatro casas prisionais.
Um dos serviços comprometidos pela falta de agentes é a escolta de presos até audiências. Segundo a juíza, em muitos casos eles deixam de comparecer nas sessões, o que acaba interferindo no andamento de processos, deixando ainda mais demorado. Dentro da prisão, o déficit interfere na circulação dos apenados para o pátio, aulas, trabalho e atendimento médico, salienta o promotor. No local, as portas das celas são abertas pelo alto, sem o contato dos apenados com os servidores.

— A falta de servidores influi no tratamento penal porque tu tem que movimentar o preso. Lá a gente quer que o Estado controle a cadeia. Então isso é uma semente que, se não mudar, passa a dar problema. Porque começa a não ter gente para trabalhar e o Estado começa a ficar menos presente na rotina e o preso começa a ficar mais desocupado, gerar mais problema — observa o promotor.
Para Thomé, o modelo proposto nas penitenciárias de Canoas deve ser mantido, devido ao baixo índice de retorno dos presos para o crime. A taxa dos apenados da Pecan 1 é sete vezes menor se comparado a detentos que estão no Presídio Central. A preocupação do promotor é que os espaços deixados pelo Estados passem a ser ocupados por facções, que tem tentado tomar o controle das prisões.
— O horror do Central nasce da negligência. O que a gente não quer é isso. A Pecan é um legado — salienta o promotor.
Considerada prisão modelo, a penitenciária obriga o uso de uniforme pelos presos. Até hoje, as roupas são lavadas por uma empresa terceirizada, opção criticada pela juíza, que entende que o serviço poderia ser feito pelos apenados, como remissão de pena.
— Outro projeto seria a possibilidade dos presos fazerem o próprio uniforme. Abrir uma licitação é mais caro. Se eles fizessem, era comprar os insumos e fazer. Com isso, tornaria a Pecan sustentável — observa o magistrada.