Enquanto o sistema prisional gaúcho sofre com a superlotação e precarização das estruturas, uma realidade diferente é constatada nas quatro unidades que fazem parte do Complexo Prisional de Canoas. O início da ocupação dos módulos 2, 3 e 4 completa dois anos e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) comemora os números. O primeiro foi inaugurado em março de 2016.
O índice de retorno dos presos da Penitenciária de Canoas 1 (Pecan 1) ao sistema é de 19%. No RS, a média chega aos 70%. Não há estudos sobre os números das outras unidades, segundo a Susepe.
A diferença na taxa de reincidência foi alcançada por meio da manutenção de um modelo projetado para sufocar as facções, de modo que os detentos consigam retornar para a sociedade livres de dívidas com os grupos criminosos. Desde o chinelo que os presos usam até as refeições são fornecidos unicamente pelo Estado, sem a circulação de dinheiro ou bens que possam diferenciar economicamente os apenados.
—Nos outros presídios é a facção que manda no preso. Quando entra, já chega com dívida com o grupo criminoso daquele território. Para comer, tem de pagar. Se quiser dormir numa cama melhor, paga mais. Se vai dormir dentro do banheiro, paga menos — descreve a atual diretora da Pecan 1, Magda Rosane da Silveira Pires, que já dirigiu os demais módulos do complexo.
A primeira diferença é percebida antes mesmo de passar pelo portão de entrada. Alguns metros antes, o celular emite alerta de que está sem serviço, independente da operadora. Nem mesmo os agentes penitenciários ou visitantes conseguem realizar ligações ou acessar a internet por causa dos bloqueadores. Por trás disso, ainda existe uma prévia seleção de presos com determinado perfil, evitando a entrada de presos faccionados ou com extensa ficha criminal, que poderiam exercer liderança negativa entre os demais.
— Nasceu por meio de um protocolo estabelecendo determinados filtros para ocupação, mas não só por isso. Aqui há algumas ações e programas de tratamento penal que são modelares — sustentou o Secretário de Administração Penitenciária, César Faccioli.
Mesmo em dias de visitas, a cena comum em outras prisões de familiares chegando com sacolas com alimentos e roupas para entregar aos detentos não existe. Na entrada, um aviso indica que a comida só pode entrar em quantidade específica, em potes com dimensões determinadas e que devem ser levados embora ao fim da visitação. Ou seja, os produtos não permanecem ali. Todas as refeições são fornecidas pelo Estado e preparada pelos próprios detentos.
O uniforme é composto por roupas laranja, tênis e chinelos pretos. Também é fornecido um kit de higiene, travesseiro e toalha de banho. A única escolha que o preso pode fazer é o cobertor: com estampa do Inter ou do Grêmio. O restante é exatamente igual para todos. Em dias de visita íntima, roupa de cama e preservativos são entregues aos visitantes.
As roupas são lavadas semanalmente por uma empresa contratada pelo Estado. O projeto prevê que essa limpeza ocorra dentro da prisão, dando uma ocupação aos apenados e possibilitando remição de pena.
Outra aposta das autoridades para conseguir recuperar os presos é oportunizar formas de trabalho ainda dentro da penitenciária. A maioria atua na própria manutenção da Pecan, realizando atividades de limpeza e na cozinha, por exemplo. Um outro grupo mantém uma horta que fica aos fundos do módulo 1 e serve para alimentar os próprios presos. No mês passado, a produção de verduras foi tão grande que 200 pés de alface foram doados para uma escola municipal de Canoas.
— Tratamento penal é o caminho para se produzir a transformação. Que a pessoa saia do sistema melhor do que entrou, para retornar à convivência — disse Faccioli.
Por meio de uma parceria com empresas, alguns presos trabalham dentro da penitenciária e receberem uma renda correspondente a 70% do salário mínimo. Dono da empresa JG Recicla, que emprega 15 detentos na Pecan, Joelson Orrigo entende que o trabalho recupera a autoestima e orgulho dos presos.
— Trabalham com uniforme. Se sentem trabalhando em uma empresa mesmo. Já dizem "nós somos a JG". Tem interesse em sair daqui e trabalhar com reciclagem — conta Joelson.
Os presos ainda são beneficiados com remição de um dia de pena a cada três trabalhados.