Jamais rompa uma barreira policial. Esse é o único consenso sobre o assunto, entre experientes policiais. A possibilidade de o fugitivo levar tiros da polícia é grande, pelo temor dos agentes de que o condutor do veículo esteja armado.
Um dia após a morte de duas mulheres, ocupantes de dois veículos que furaram barreira policial em Cristal, no sul do Estado, GaúchaZH perguntou a especialistas se os policiais deveriam ter atirado, mesmo sem saber quem ocupava os automóveis. Na noite de terça-feira (16), quatro carros romperam um bloqueio e dois deles foram parados a tiros por agentes da PF, numa segunda barreira. Os outros dois escaparam. Nos veículos que pararam, um Civic e um Celta, foram atingidas duas mulheres, uma criança e o marido de uma delas, um presidiário que deveria estar em prisão domiciliar, mas estava a 262 quilômetros de distância de casa.
Os policiais tinham informações de que aqueles veículos iriam resgatar uma quadrilha de assaltantes de banco que está escondida nas matas da região. Os agentes só não sabiam que havia mulheres e crianças no carro (um menino de quatro anos foi ferido e uma menina de dois anos saiu ilesa).
Os especialistas consultados pela reportagem salientam que disparar contra quem escapa de um bloqueio é o último recurso. Isso porque pelo menos três situações podem estar por trás da fuga:
- O bloqueio é furado por um carro cheio de inocentes, apavorados porque beberam demais ou porque não acreditam que a barreira é da polícia, e sim, de assaltantes. Ao atirar e atingi-los, o policial está encrencado.
- O bloqueio é furado por criminosos, mas que conduzem reféns dentro do veículo. Isso já aconteceu no RS e dois reféns foram atingidos, um dos quais morreu. Ao atirar e atingi-los, os policiais responderam por homicídio.
- O bloqueio é furado por criminosos, acompanhados de suas famílias. É o que aconteceu em Cristal: todos os ocupantes dos dois carros atingidos são familiares de criminosos.
Esse terceiro caso é o mais defensável, segundo os especialistas, do ponto de vista da atitude dos policiais, embora a ação dos agentes não esteja imune a críticas. Dois fatores ajudam os federais a defenderem sua ação. Um deles é que o condutor do Civic, um presidiário, teria disparado contra os homens que faziam campana. Uma pistola com cápsulas deflagradas foi encontrada dentro do carro.
O outro ponto é que os dois veículos só foram atingidos pelos tiros depois de se jogarem contra a primeira barreira, ultrapassando-a e evitando o bloqueio. Os dois fatos podem configurar, perante a lei, tentativa de homicídio contra os policiais.
É o que diz um oficial da reserva da BM que já viveu confrontos sangrentos, o coronel Adriano Klafke. Consultor de segurança e ex-professor da Academia da BM, o oficial prefere falar em tese, mas entende que a atitude dos agentes federais pode ser defendida, como último recurso, já que foram alvo de disparos.
O coronel lembra que o uso da força deve ser proporcional à ameaça. Como os veículos seriam usados, no caso, para suposto resgate de uma quadrilha que já tinha disparado mais de cem tiros contra viaturas policiais, 12 dias atrás, configuraria-se a defesa da sociedade.
— Ao furar a barreira, o criminoso jogou o carro contra os policiais, botando a vida deles em risco. Além disso, teria disparado com uma pistola contra os agentes. Em teoria, a reação dos agentes se justifica como legítima defesa, sua e de terceiros.
Já para Carlos Alberto Portolan, especialista em cursos de defesa de autoridades, o ideal seria mesmo perseguir os veículos e depois tentar cercá-los. Mas, sem a situação ideal, há ponderação:
— Tem de ver se a barreira estava com sinalização correta, com cones, se as viaturas estavam ostensivas e se há tiros nas viaturas. Aí, configura a legítima defesa.
Já o coronel reservista da PM paulista José Vicente da Silva Filho, que deu aulas 10 anos na Academia da PM e também foi secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), considera, em tese, equivocado policiais atirarem sem saber quem são todos os ocupantes de um carro.
Pelo risco de haver reféns ou crianças dentro (esse último caso se confirmou), o PM considera que quase nunca se justifica disparar contra um veículo em fuga, pelo menos nos protocolos brasileiros. Já nos EUA, admite Vicente, é costume crivar de balas veículos que furam bloqueios.
— Aqui, recomendamos evitar isso, para não ferir inocentes na troca de tiros. O correto é perseguir e fazer cerco posterior, bloqueando vias de fuga, até eles se renderem — pondera o coronel.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu procedimento investigatório criminal para apurar as circunstâncias do tiroteio e das mortes em Cristal. Foi solicitado que a PF forneça explicações em 24 horas.