Acostumado a ouvir quase diariamente adolescentes envolvidos em atos infracionais, o juiz da 3ª Vara Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, Charles Maciel Bittencourt, tem convicção de que a educação é o ponto chave para evitar o ingresso dos menores no crime. Confira a entrevista:
Qual é o perfil, em geral, dos jovens que se envolvem em atos infracionais?
Em regra, jovens que começam no ato infracional cedo não têm pensamento crítico, não permaneceram na escola, falta alimento, falta tudo que possa imaginar de subsistência. A família acaba se desestruturando por conta disso. O jovem querem ter um tênis, uma camiseta. Coisas da idade. Ele também quer sentir que pertence a um grupo. Se não consegue na escola, qual grupo ele vai se envolver? O crime. A ausência da frequência na escola, aliada à vulnerabilidade e carência econômica, resulta no perfil dos jovens que cometem atos infracionais. O que o Estado não abraça o estado paralelo abraça. E, por óbvio, quem tem controle do crime organizado são os adultos. Infelizmente, utilizam como mão de obra os adolescentes.
Percebemos que a grande maioria dos internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) tem atraso na escola. Qual o papel da educação para evitar que jovens se envolvam no crime?
Pergunto para os jovens que sentam à minha frente se estavam na escola ou não. E 90% não estavam indo na aula. É o meu levantamento. Podiam até estar matriculados, mas não estavam frequentando. O jovem que não desenvolve pensamento crítico é fácil de manipular. Já o jovem que está na escola, em regra, não está cometendo ato infracional. Ele está desenvolvendo senso crítico, está se relacionando com outras pessoas e sabe dizer não para o crime. Se não tiver a escola fortalecida, não vamos avançar. Quanto mais escolas fechamos, mais oportunidades para o crime vamos dar. Não pode faltar a vaga. Quando o jovem não tem muito conhecimento, não tem acesso à cultura, não tem acesso a um circuito onde pode se sentir pertencido, acaba no tráfico.
Parte desses jovens vive em áreas dominadas pelas facções que comandam o tráfico de drogas. O quanto isso impacta no desenvolvimento deles?
Muitos nem sequer conseguem circular nos bairros. Pode até não ter vinculação com o crime. Ele corre risco de vida por ser de determinado bairro, que é mantido pela facção tal. Hoje temos dificuldade de trânsito, de territorialidade. Não temos mais atividade de lazer qualificada, as praças estão abandonadas. Uma que outra qualificada. Tem que ter segurança para o pobre e para o rico. Praças de periferia tem que ter segurança, ou não vão usar ou vão usar para cometer crime, vender drogas.
O senhor acredita que o cumprimento de medida socioeducativa pode garantir que o jovem não voltará a cometer ato infracional?
Se nós investirmos em oportunidades depois do fim da medida, como o Programa de Oportunidade e Direitos (POD) (no qual jovens têm acesso a oficinas e cursos profissionalizantes) por exemplo, sim. Necessitaríamos da criação de programas de oportunidade e direitos também para os que cumprem medidas em meio aberto. É preciso qualificar esses programas de acompanhamento após o cumprimento da medida. Seja pela aprendizagem e depois pelo emprego. Assim se consegue ter resultado positivo. É preciso também que a sociedade não os discrimine, dê vaga na escola, em curso e em trabalho. Os jovens que conseguem ultrapassar essas etapas, tenho muitos exemplos que estão muito bem.
E quais medidas acredita que são essenciais para evitar que eles ingressem no crime?
Um jovem na Fase custa R$ 12 mil por mês. Por que esperar chegar nesse ponto? Temos políticas públicas preventivas na área de saúde e educação que devem ser melhoradas. Tem que dar bolsas para esses jovens, eles precisam de incentivo econômico. É quase que chover no molhado. Mas é a receita. Temos uma oficina de arte e inclusão na Fase, por exemplo, que transforma os jovens. Que transforma o sentimento, o respeito ao próximo. A arte gera isso. O respeito ao próximo. A arte transforma as pessoas. Temos que mudar a forma de encarar a educação. Muitos projetos sociais em periferias são exemplos disso, como a Orquestra Villa Lobos (que atende mais de 800 jovens na Lomba do Pinheiro). É fantástico.