Nas mesmas ruas que Miguel (o nome usado é fictício para preservar a identidade do adolescente) percorre pelo bairro onde mora, na Região Metropolitana, dois garotos empurram um carrinho vazio, usado para coletar materiais recicláveis. Crianças correm sozinhas pelas vielas tortas e esburacadas. Um menino brinca com um patinete e uma garota anda de bicicleta sobre calçada de um mercadinho. Foi desta área de Gravataí que o adolescente, de 13 anos, saiu no início de abril para participar de um assalto. Era seu primeiro ato infracional (como são chamados os delitos cometidos por menores de 18 anos).
Na única praça mais próxima de onde vive a família de Miguel, uma pichação em um dos brinquedos faz menção à facção criminosa que domina o tráfico no local. O mato cresce no entorno. Na esquina, três adolescentes estão sentados enfileirados. Um deles segura um cigarro. No bairro, moradores sabem que muitos com aquele mesmo perfil são usados pelo tráfico, seja para transportar e vender drogas ou manter a vigilância.
— A grande maioria dos adolescentes que ingressa para o crime é por situações de vulnerabilidade. Onde tiver a ausência estatal, ou seja, não chegar infraestrutura, o colégio e a forma de ensino não forem os mais adequados, não tiver acompanhamento familiar na escola, não tiver lazer adequado, tudo isso fará com que voltem para essa criminalidade — afirma o delegado Gustavo Bermudes.
No início da adolescência, quando começam a ter menos limites por parte da família, segundo o policial, há a coincidência, muitas vezes, do início da relação dos menores com o crime:
— O que percebemos é que com 12, 13, 14 anos eles começam a ter contato com esse pessoal, a esse exemplo de como se faz para ganhar dinheiro fácil, seja com tráfico, roubo ou furto. Isso, aliado à falsa sensação de que o menor não é punido, que para ele não dá nada, resulta nesse ingresso — analisa.
O Estado hoje disputa o adolescente e até a criança com o mundo do crime. Infelizmente, estamos perdendo
RANOLFO VIEIRA JÚNIOR
Vice-governador e secretário da Segurança Pública do RS
Dificultar a cooptação de quem vive nessas áreas vulneráveis está entre as metas do plano de segurança lançado no fim de fevereiro pelo governo, o RS Seguro.
— O Estado hoje disputa o adolescente e até a criança com o mundo do crime. Infelizmente, estamos perdendo — reconhece o vice-governador e secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior.
Um estudo técnico está sendo feito para identificar bairros com maiores índices de violência e mais vulneráveis no aspecto socioeconômico em 18 municípios com índices altos de criminalidade. Após a análise, o intuito é implantar projetos piloto, com medidas para, por exemplo, qualificar ensino e gerar oportunidades de emprego e renda.
— Se o Estado não se preocupar com a prevenção vamos passar resto da vida “enxugando gelo”. Não dando opção para o jovem ele acaba enveredando para o mundo do crime. Tem de dar perspectiva para o mercado de trabalho. A questão da educação é fundamental. É preciso melhorar os indicadores relacionados à evasão escolar, a reprovação, distorção de idade e série e tempo de permanência na escola — diz o vice-governador.
Outras medidas que estão previstas para serem implantadas nesses bairros são melhoria da iluminação e saneamento, recuperação de praças, regularização fundiária, fortalecer redes de atendimento na saúde e implantar projetos na área de cultura, esporte e lazer.
— A juventude quer jogar futebol e não tem local apropriado. Precisamos qualificar a utilização desses espaços. Desenvolver ações que impactem na melhoria e condição de vida faz famílias. Mas não adianta querer iniciar em todo o Estado. Vamos selecionar até três bairros e implantar projeto piloto, que será reproduzido — afirma Ranolfo, sem detalhar prazos ou orçamentos.
Cidades no RS Seguro
Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Capão da Canoa, Caxias do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Tramandaí e Viamão.
Representam:
45% da população do Estado (dados de 2017),
71% das mortes violentas (período 2009 - 2018)
83% dos roubos (período 2009 - 2018)
89% dos roubos de veículos (período 2009 - 2018)
* Colaborou Vitor Rosa.