Antes de sair de casa na tarde de 28 de março, Sérgio Jaime Bernardes, 64 anos, combinou de preparar o jantar com a filha. Comia um pedaço da cuca que havia levado para a esposa. Foi a última vez que Ereni Bernardes, 62 anos, viu o companheiro de quatro décadas cruzar o portão. Há uma semana, o taxista está desaparecido. Mistério que intriga Rolante, no Vale do Paranhana.
Aposentado há 20 anos, tio Jaime, como é conhecido, trabalha há 10 anos como taxista. Sentados em frente à casa, a esposa e os filhos, Maiara Bernardes, 29 anos, e Daltro Jerônimo Bernardes, 36, lidam com a angústia e a saudade. A costureira aposentada se emociona ao relatar como o marido costuma ajudar os outros:
— Todo mundo adora ele. Quando leva alguém com compras, larga as sacolas dentro de casa. Sempre ajudou as pessoas — conta.
Recorda entre lágrimas do dia em que ele recebeu pelo Correio uma carta do time de futebol do qual participa. Tinham feito abaixo assinado para que ele retornasse. "Olha o que eles fizeram pra mim", mostrou para a esposa. "Assim até eu ia jogar futebol. Acho que tu deveria voltar, eles gostam muito de ti", aconselhou Ereni.
O taxista costumava acordar cedo, tomava chimarrão com a esposa e saía para fazer as primeiras corridas com crianças até a escola. Naquela quinta-feira, não foi diferente. Passou em casa, no bairro Rolantinho, na metade da manhã. Pouco depois das 16h, apareceu novamente com uma cuca e depois saiu, prometendo voltar a tardinha. Pretendia se exercitar, antes de ajudar a filha a assar galeto e assistir ao jogo do Grêmio.
Vai aumentando o desespero, e a esperança de encontrar ele vivo vai diminuindo. O carinho que a gente recebe é que nos coloca de pé. Gostaria que ele voltasse para poder dar um abraço nessas pessoas
ERENI BERNARDES
Esposa
— Ficamos brincando um com o outro. Como sempre fomos, dois velhos brincalhões — recorda.
A família soube do sumiço quando o proprietário do táxi apareceu às 19h. O taxista havia saído para uma corrida e não tinha voltado. Colegas tentavam contato, mas o telefone foi desligado.
— Virou nessa busca incessante. Nessa agonia — resume Daltro.
— Vai aumentando o desespero, e a esperança de encontrar ele vivo vai diminuindo. O carinho que a gente recebe é que nos coloca de pé. Gostaria que ele voltasse para poder dar um abraço nessas pessoas — diz a esposa, preocupada com o fato de que o marido está há uma semana sem remédios para pressão alta.
A família estranha a hipótese de sequestro, já que consideram o taxista alvo pouco provável. De família simples, não teria dinheiro para cobrir um resgate. Não houve nenhum contato por parte de criminosos.
— Queremos nosso pai de volta, apenas isso — afirma Maiara.
— Não queremos saber quem fez e nem o porquê, mas queremos ele em casa — completa Daltro.
Segundo o delegado Vladimir Medeiros, força-tarefa foi montada. Sem dar detalhes, afirmou que já "firmou linha investigativa":
— Quanto mais tempo passa sem encontrarmos a vítima e sem contato dos criminosos com a família, diminuem as chances de encontrá-lo com vida, mas ainda trabalhamos com a hipótese de encontrá-lo — afirmou.
Moradores assustados
Todas as manhãs, quando chegava na Padaria Conrad, o taxista sentava-se logo na entrada e acenava para as atendentes. Elas conheciam o pedido: café com leite e dois pães de queijo. Uma xícara foi comprada para ele.
— É uma pessoa muito querida na cidade. Está todo mundo apavorado. Nesses 19 anos que temos a padaria, ele é cliente há uns 15. Tanto que compramos essa xícara aqui para ele. Vamos guardar, na espera que ele volte para tomar um café — afirma Clécio Conrad, 42 anos.
O ponto de táxi ao lado da Igreja Evangélica, na esquina da Rua Pedro Schneider com a Avenida Borges de Medeiros, onde Bernardes trabalha, é o mais antigo da cidade. Colega dele há oito anos, Cezar Garcia, 51 anos, diz que a cidade está assustada.
— Todo mundo se conhece, isso nunca tinha acontecido. Fica todo mundo apavorado. A gente fica pensando que podia ter sido um de nós. Temos esperança que ele esteja vivo — diz.
A última vez em que viu o colega foi pouco depois das 17h, quando ele saiu para buscar crianças na escola e levar para casa. No fim da corrida, o taxista teria atendido o telefone e seguiu para outra corrida.
Pouco antes das 18 horas, a Spin branca estacionou, com outro automóvel ao lado na Estrada do Morro da Figueira, na localidade de Campestre, limite com Santo Antônio da Patrulha. Foi neste momento que atearam fogo no veículo. As chamas apagaram, possivelmente porque as portas foram fechadas. O veículo estava parcialmente incendiado na parte interna. O local fica a cerca de 500 metros da RS-474, que leva até a freeway. Um morador conta ter visto o táxi parado na estrada e chamado a polícia. Buscas foram feitas nas proximidades.
— A gente não sabia o que era. Está todo mundo assustado — relata, sem se identificar.