Às 22h20min de terça-feira (23), depois de 12 horas de trabalho, em São Leopoldo, no Vale do Sinos, um policial militar dirigia de volta para casa, quando o celular tocou. Do outro lado, estava outro sargento. O colega havia recebido a informação de que um dos apontados como autor do latrocínio (roubo com morte) que vitimou pai e filho em Estância Velha, há duas semanas, estava escondido em Portão.
Os policiais vinham fazendo buscas pelos dois foragidos desde que as prisões foram decretadas pela Justiça, a pedido da Polícia Civil. O descanso do policial militar foi postergado. Uma hora após aquele telefonema, Rafael Santos Domingues, 19 anos, estaria preso. Também com mandado de prisão preventiva pelo mesmo crime, Davi dos Santos Mello, 20 anos, ainda não foi localizado.
A informação que a Brigada Militar havia recebido era de que o Domingues estaria escondido na casa da companheira de um traficante. O criminoso atua na Vila Brás, em São Leopoldo, mesmo bairro onde o foragido residia. Familiares já haviam confirmado à polícia que o rapaz tinha envolvimento com o tráfico. Seis policiais do Pelotão de Operações Especiais (POE) rumaram em direção a Portão. São cerca de 20 minutos de carro até o bairro Albino Kern.
Os policiais pararam em frente a um portão de ferro de cerca de três metros de altura em uma estrada de chão. Estava trancado. Passaram a iluminar o entorno com lanternas. Atrás de árvores e arbustos, era possível ver apenas parte de uma casa de alvenaria. Neste momento, uma mulher apareceu na frente e voltou apressada para dentro da residência. Os policiais viram o vulto de um homem partir correndo. Saiu por uma porta nos fundos da moradia, junto à garagem. A saída dá acesso a uma trilha. Os PMs arrombaram o portão e correram na direção do foragido.
No trajeto, de bermuda e chinelos, Domingues teria pulado cercas de arame farpado, que dividem as propriedades, até ser alcançado pelos policiais na escuridão. A correria chamou a atenção de moradores, que saíram de dentro das casas. Na residência onde ele havia se escondido, duas mulheres e três crianças estavam sentados em um sofá, onde assistiam televisão pouco antes de a polícia chegar. Havia uma pizza sobre a mesa. Uma das mulheres é companheira do foragido e outra seria proprietária da casa.
Os policiais fizeram buscas, na tentativa de encontrar as joias roubadas do estabelecimento, mas nada foi localizado. Somente dois celulares foram apreendidos. Durante a prisão, o foragido teria tentado quebrar um deles. Com cortes no abdômen e no rosto, foi encaminhado para atendimento médico antes de ser levado para a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de São Leopoldo. Informalmente aos policiais, negou o crime — mais tarde, se limitaria a responder somente parte das perguntas à Polícia Civil.
— Estávamos atrás dele. Ele negou a autoria, disse que na hora do fato estava em um CFC (Centro de Formação de Condutores) fazendo a carteira de motorista e que não conhece o Davi (o outro foragido)— relata o sargento do POE de São Leopoldo, Leonardo Baggio Iop, que só encerrou o expediente às 4h.
De cabelos cortados e barba feita, o foragido está com aparência diferente do vídeo gravado na joalheria no dia do assalto. Para o roubo, ele teria usado óculos falso de grau, pigmentado a barba em tom mais escuro e coberto as tatuagens da mão esquerda com maquiagem. Para a Polícia Civil, ele é o assaltante de camisa rosa que aparece nas imagens junto ao balcão do estabelecimento. O criminoso rendeu uma funcionária e a proprietária da loja, enquanto o comparsa permanecia em uma sala nos fundos com pai e filho.
Após um disparo, Leomar Canova, 59 anos, e Luis Fernando Canova, 35 anos, começaram a lutar com um dos criminosos e acabaram mortos a tiros. Domingues não tinha antecedentes criminais. Já Mello, condenado por roubo de veículo, estava em prisão domiciliar, sem monitoramento eletrônico, por falta de tornozeleira. Ele residia no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, de onde fugiu um dia após o latrocínio.
— Continuamos recebendo muitas denúncias e acreditamos que chegaremos à localização do Davi em questão de dias — afirmou o delegado regional Eduardo Hartz.
Recusou-se a responder perguntas de delegado
O depoimento de Domingues à Polícia Civil, em São Leopoldo, durou cerca de uma hora. Ele negou o crime, mas não respondeu perguntas sobre outros detalhes — como o motivo pelo qual estava escondido. Na saída da delegacia, conduzido pelos agentes, com o rosto coberto por uma camiseta, questionado pela imprensa se teve participação no crime, limitou-se a dizer "não".
Segundo o delegado Márcio Niederauer, de Estância Velha, o preso negou o crime e disse que não conhece o outro foragido. Silenciou quando questionado sobre o motivo pelo qual estava escondido em Portão, se já esteve na joalheria, sobre onde esteve nos últimos dias e o motivo pelo qual deixou a Vila Brás, onde residia. Outra pergunta que não foi respondida é sobre a alegação de que estaria em um CFC no dia do crime.
— Se recusou a responder a maior parte das perguntas. Solicitei que fosse feita coleta de material genético, para comparativo, já que ele se diz inocente, mas ele se negou — afirmou Niederauer.
Durante a madrugada, familiares de Domingues também estiveram na delegacia em São Leopoldo. Eles negaram à polícia que ele tenha participação no latrocínio. A defesa de Domingues não quis se manifestar.
— Hoje foi o primeiro dia que tivemos acesso à questão. Só vamos saber posteriormente se vamos permanecer no caso — disse Rodrigo de Oliveira, um dos advogados que acompanhou o depoimento do preso.