Após uma onda de violência que assustou motoristas de aplicativos —dois foram assassinados em 2019 — e motivou protestos em Porto Alegre, a empresa 99 começou a instalar câmeras de segurança no interior dos veículos. A medida ainda está em fase de testes na capital gaúcha. Em São Paulo (SP) e em Manaus (AM), a estratégia também está sendo adotada.
Em janeiro, motoristas voluntários e que têm mais corridas registradas no app começaram a receber as câmeras. O número de veículos monitorados não é divulgado pela empresa por "questões estratégicas". O equipamento é colocado junto ao painel do veículo. Há, também, um aviso de que o carro possui o aparelho.
As imagens são enviadas pela internet diretamente para uma central de segurança da 99, em São Paulo. A transmissão tem início assim que a viagem é iniciada. O aplicativo garante que somente o setor terá acesso ao conteúdo. A exceção são os órgãos de segurança que solicitarem imagens em casos de investigações. Por enquanto, a instalação não tem custo para os motoristas parceiros.
Presidente da Associação dos Motoristas Particulares e de Aplicativos (Ampa-RS), Carlos Guessi comemora a instalação de câmeras, mas lamenta que funcione apenas no aplicativo 99:
— Vem para ajudar na segurança do motorista, com certeza. O pessoal se sente mais seguro com os equipamentos dentro do carro — afirma Guessi.
Embora considere um avanço, o presidente da Ampa avalia que outras medidas são mais urgentes nos aplicativos, principalmente a melhor identificação dos passageiros.
— Temos pedidos para todos os aplicativos desde o início do pagamento em dinheiro, quando começaram os problemas, que haja cadastro mais rigoroso. Solicitando comprovante de endereço, que eles enviem documento oficial e também a foto do usuário — disse.
Há dois anos atuando como motorista de aplicativo, Daniel Costa, 41 anos, está com câmera instalada no carro há uma semana. Mesmo sem nunca ter passado por uma situação de risco, conta que se sente mais seguro com o equipamento.
— É como se tivesse um copiloto comigo o tempo inteiro e vendo a rota que estou fazendo. Essa é a sensação que tenho hoje. É bem legal de ver que a reação dos passageiros tem sido positiva. O pessoal acha muito importante que a gente tenha ferramenta e eles se sentem mais seguros também — relata.
O motorista ainda aproveita sua experiência ao volante para gravar vídeos com dicas e relatos para um canal no YouTube. A partir desse contato com os demais profissionais, revela que alguns motoristas que não receberam o equipamento nesta fase ficaram frustrados:
— É início e algumas coisas ainda precisam ser ajustadas, mas só de ter esse algo a mais já nos dá uma tranquilidade para trabalhar.
A medida foi aprovada pelo motorista e youtuber, que acredita que pequenos ajustes poderiam dar mais segurança ao condutor.
— O número de viagem que a gente pode cancelar, que hoje é de cinco, poderia ser maior. Isso faz com que às vezes a gente fique impossibilitado de trabalhar— relata.
Ferramenta importante
A diretora-executiva do Procon de Porto Alegre, Fernanda Borges, não vê problemas na instalação de câmeras. Segundo ela, a medida só invadiria a privacidade dos passageiros se as imagens fossem usadas pelo motorista de forma indevida. No projeto, o condutor não tem acesso às imagens. Somente a central de segurança da empresa.
—É uma questão de segurança. Temos de entender um carro que faz serviço de transporte como um estabelecimento comercial. Vários têm câmeras — explica.
Nos carros que atuam na plataforma, haverá, além do equipamento, um aviso de que o veículo é monitorado. A mensagem informa sobre a presença do acessório, o que, segundo Fernanda, não é obrigatório, mas "recomendável".
Para a polícia, a ferramenta servirá não só para inibir ações criminosas, como um elemento importante para a investigação.
— Sem dúvida é uma ferramenta importante que vai auxiliar, junto aos demais elementos de investigação. Não só para fins de indiciamento, mas para uma possível condenação no Judiciário — conclui a diretora da Divisão de Inteligência e Análise Criminal do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), delegada Andrea Magno.
Como funciona
A câmera instalada no painel do veículo se conecta à central de segurança da 99 por meio da internet. O motorista precisa rotear os dados do celular cadastrado no aplicativo para transmitir as imagens em tempo real.
Cada câmera possui um número de identificação único, ligado ao cadastro do motorista. Por isso, a gravação só é registrada a partir do início da corrida.
O usuário é notificado quando vai entrar em um carro com câmera de segurança. Caso se recuse, um outro veículo sem equipamento é acionado.
O que dizem as outras empresas
Cabify
Em nota, a Cabify afirmou que não incentiva o uso de câmeras nos veículos e não possui projeto neste sentido. "A empresa reforça que os motoristas parceiros devem respeitar a privacidade, assim como prevê a legislação brasileira". Disse ainda que está "estudando alternativas que permitam oferecer maior segurança aos passageiros e condutores".
Uber
A empresa apenas afirmou que não tem projetos de instalar câmeras nos carros dos motoristas parceiros.