Para escapar de um assalto, um motorista de aplicativo decidiu arriscar a própria vida e pular do carro em movimento em plena BR-116, em São Leopoldo, no Vale do Sinos. No veículo, estavam dois homens que se passaram por passageiros para cometer o crime. Um deles sentou no banco atrás do motorista e, no meio do caminho, puxou uma faca, apontada para o pescoço do condutor.
– Vi o sangue escorrendo, fiquei mais bravo e tentei um capotamento. Virei o carro e consegui saltar. Antes, puxei o freio de mão e o carro apagou – conta o motorista de 29 anos.
Os dois assaltantes conseguiram fugir com o celular da vítima. A corrida foi chamada por uma mulher que não embarcou no carro. No ponto de partida, ela explicou que um dos homens estava passando mal e pediu que os levasse até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) próxima. No caminho, a mudança na rota fez o condutor perceber que iria virar estatística do crime.
Cada vez mais frequente e sem hora para acontecer, os roubos a motoristas de aplicativos preocupam a categoria e colocam condutores em perigo. Os casos geraram alerta à Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos do RS (Alma), que propôs à Polícia Civil a criação de uma delegacia especializada para tratar casos ligados aos crimes contra condutores de apps. De acordo com a titular do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), delegada Adriana Regina da Costa, a proposta está sendo analisada internamente, mas ainda não há nada concreto.
Mesmo diante de um possível aumento de casos contra os condutores, é cedo para afirmar que a categoria virou o novo alvo dos ladrões. Recém-escolhida como chefe do DPM, a policial pretende se aproximar dos responsáveis por aplicativos e dar atenção especial a essas investigações, o que garantirá maior rapidez nas investigações.
A morte do motorista Moises Doring Jeske, 33 anos, assassinado em março de 2017, foi o primeiro baque para um condutor de 51 anos, que preferiu não se identificar. Meses depois, foi a vez de ele ser assaltado quando voltava para casa. Ele conduzia um Livina quando foi fechado por outro carro. De dentro do veículo, saltaram os ladrões que levaram o automóvel, que nunca mais foi visto.
Condutor optou por trocar de ramo
Com medo, o motorista decidiu mudar de ramo. Ficou três meses parado até ser convidado para abrir uma casa de carnes na zona sul de Porto Alegre, inaugurada na segunda quinzena de dezembro. Não pensou duas vezes:
– Vi colegas sendo mortos por migalhas, como R$ 20, R$ 30. Foi uma questão de oportunidade.
"Tornou-se trabalho de risco", diz condutor
A situação ganhou repercussão com a morte do universitário Paulo Junior da Costa, 22 anos, horas após aceitar uma corrida em 31 de dezembro, momentos antes da virada do ano. O estudante de Engenharia foi obrigado a dirigir até Laguna (SC), onde foi encontrado morto. Na semana passada, dois homens foram presos por envolvimento no crime.
Desde que os aplicativos começaram a operar no Estado, em novembro de 2015, foram mortos 18 condutores em situações violentas relacionadas ao transporte de passageiros, segundo o presidente da Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos do RS, Joe Moraes. Não há levantamento específico para roubos e furtos, mas, segundo a entidade, os relatos são diários. Motoristas consultados pela reportagem afirmam que os casos de assaltos a condutores se intensificaram após a empresa Uber passar a aceitar dinheiro como forma de pagamento, o que ocorreu em novembro de 2016.
Associação irá procurar o Ministério Público
Antes, o valor da viagem era descontado por meio de cartão de crédito. A mudança obrigou os motoristas a circularem com dinheiro para troco. Os condutores reclamam de não ter opção para a forma do pagamento, como ocorre, por exemplo, no 99Pop.
No ano passado, o prefeito Nelson Marchezan vetou a obrigatoriedade para que as empresas informem a forma de pagamento antes de aceitar a corrida. Agora, a associação irá procurar o Ministério Público e se aproximar dos vereadores, para tentar nova modificação.
– Hoje, tornou-se um trabalho de risco, tendo em vista alto índice de criminalidade. Viramos um self-service da vagabundagem – entende o presidente da entidade que representa cerca de 6 mil motoristas.