"A minha história dá uma novela, mas é tão cabeluda que tenho vergonha de contar.” A frase é de uma mulher de 64 anos, viúva, aposentada e moradora de Porto Alegre que, no período de dois anos, perdeu cerca de R$ 35 mil no golpe do soldado americano. Ela não gosta de falar no assunto e nunca comentou com filhos e netos. Mas, ao ler no Diário Gaúcho e ouvir na Rádio Farroupilha relatos de outras vítimas, decidiu, como forma de desabafo, narrar à reportagem o que lhe aconteceu.
Há pouco mais de dois anos, a aposentada começou a se comunicar pelas redes sociais com um suposto militar das forças armadas dos Estados Unidos em missão na Síria. Utilizando um português mal traduzido nas mensagens, o interlocutor, inicialmente, conquistou a confiança da aposentada. Depois, procurou seduzi-la, de modo que ela se apaixonasse.
— Até que um dia, pediu para que eu guardasse uma caixa com bens obtidos por ele. Seria uma caixa com um tesouro — relembra.
Para isso, de acordo com o suposto militar, a mulher precisaria fazer depósito, via casa de câmbio, de R$ 5 mil para o transporte. Ele afirmava que o “tesouro” havia sido avaliado em US$ 8,9 milhões, o equivalente a R$ 33,5 milhões. Pedia sigilo.
Não satisfeito com o valor obtido nessa primeira investida e, possivelmente, percebendo a facilidade na aplicação do golpe, decidiu ir adiante, inventando necessidades financeiras para pedir dinheiro.
— Sempre tinha despesa nova. Vários já tinham me pedido dinheiro, mas nunca tinha caído em golpe. Foi tão esperto que conseguiu me convencer. Era tudo tão certinho, enganou tão direitinho que fui caindo — conta a vítima.
A mulher recorreu a empréstimos junto de agiotas para satisfazer o suposto militar. Foi se endividando. Quando os repasses ao falso soldado chegaram a R$ 17 mil, decidiu cessar os depósitos e o bloqueou nas redes sociais. O golpista então passou a fazer as investidas por e-mail.
— Disse que, se eu não fizesse novo depósito, não conseguiria enviar a caixa e perderia o dinheiro que já havia aplicado — conta.
O golpista criou falsos endereços de e-mail da Organização das Nações Unidas (ONU) e enviou mensagens como se a entidade estivesse avalizando o que ele dizia. O suposto militar alegou que a caixa havia sido enviada, mas ficara retida no Reino Unido. Para a liberação, deveriam ser feitos depósitos para o pagamento de impostos.
Diante de recusa da vítima, o golpista sugeriu que ela fosse ao Reino Unido retirar a caixa.
— Caí na bobagem de sugerir que ele fosse. O bandido aceitou a sugestão, mas é claro, me pediu mais dinheiro. Foram mais R$ 9 mil para as passagens dele da Síria para o Reino Unido — conta a mulher.
Somando outros valores enviados, incluindo supostas taxas para abertura de conta bancária, o total aproxima-se de R$ 35 mil.
— Atrasei o pagamento de agiotas, fui ameaçada e tive de fazer financiamento bancário para pagá-los. Só troquei um empréstimo por outro — diz a aposentada que, incluindo os juros, calcula em mais de R$ 40 mil o prejuízo.
Conforme a vítima, o golpista se declarava e fazia promessas, como a de vir ao Brasil e pagar as contas dela.
— Não é possível que um bandido possa ter ficado dois anos me incomodando. Se não tivesse acordado a tempo, estaria hoje morando embaixo de uma ponte — conclui a mulher.
Baixa autoestima é fator de risco
Diretora do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis, da Polícia Civil, a delegada Shana Hartz diz que os golpistas são habilidosos para enganar as vítimas e para dificultar a identificação:
— Há como rastreá-los, mas temos vistos que se comunicam a partir de outros países. Isso torna a investigação complexa. Por isso, o melhor é investir em prevenção.
Para a psicóloga Bruna Ongaratti, especialista em família e casais, um somatório de fatores faz com que as pessoas sejam enganadas em golpes como o do falso soldado.
— Pessoas que seduzem e aplicam golpes têm algum grau de psicopatia, pois tiram proveito dos outros sem sentir culpa. Sabem muito bem como fazem e são articuladas. Acredito que têm uma capacidade de leitura da personalidade da vítima — analisa.
Ela acrescenta a baixa autoestima e a falta de pertencimento a grupos como fatores de risco.
— Às vezes, a sensação é real, mas muitas vezes pode ser criada por algum transtorno depressivo. Então, para essa pessoa (vítima), dói muito fazer esse corte, mesmo quando desconfia que está sendo enganada — explica.
Preste atenção
Não forneça dados pessoais, como RG, CPF e endereço físico.
Sempre que possível, tente marcar um encontro em lugar seguro para verificar se a pessoa está falando a verdade.
Nunca atenda a pedidos de dinheiro ou outros valores.
Não envie fotos íntimas a desconhecidos. Muitas vezes acabam sendo utilizadas para chantagens.
Fonte: delegada Shana Hartz