Dois projetos para reverter as novas regras que facilitam a posse de armas em todo o país serão protocolados na Câmara no início de fevereiro, no retorno das atividades do Congresso após o recesso parlamentar. Em paralelo, partidos de oposição avaliam ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedir a suspensão do decreto assinado por Jair Bolsonaro na terça-feira.
A possível violação da separação de poderes e a redução do papel da Polícia Federal (PF) na análise de pedidos de registros são os pontos considerados vulneráveis.
Na visão de integrantes do PT, a discussão sobre a legalidade dos dois itens deve ter início na Câmara. Para isso, o partido elaborou projeto de decreto legislativo (PDC). Em nove páginas, o documento ainda questiona o enfraquecimento do Estatuto do Desarmamento, criado a partir de lei sancionada em 2003, durante o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com objetivo de reduzir o número de armas em circulação.
— Bolsonaro extrapolou a prerrogativa de regulamentação que cabe ao presidente. Alterou regras que não poderia modificar por decreto — afirma o líder da bancada do PT na Casa, Paulo Pimenta (RS).
Tendência de dificuldade no Congresso e no STF
A tramitação de um PDC na Câmara é semelhante à de um projeto de lei ordinário. Precisa passar por comissões antes de ser votado em plenário e pode ser aprovado ou rejeitado por maioria simples entre os presente na sessão. As chances de sucesso são remotas, já que a inclusão na pauta depende da vontade do presidente da Casa, a ser escolhido em 1º de fevereiro – Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem a reeleição apoiada pelo PSL, de Bolsonaro, desponta como favorito. Além disso, a análise do texto será feita pela nova composição do Congresso, mais conservadora e com tendência a apoiar matérias ligadas à segurança pública, o que também reduz as chances de aprovação.
Bolsonaro extrapolou a prerrogativa de regulamentação que cabe ao presidente.
PAULO PIMENTA
Líder do PT na Câmara
Ao lado da movimentação no Legislativo, o PT chegou a anunciar que iria entrar com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no STF. Após o governo divulgar que será editada ainda janeiro medida provisória para autorizar o recadastramento de licenças vencidas, com possibilidade de incluir outras alterações nas regras, a sigla resolveu esperar. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o partido enviou questionamentos ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Casa Civil sobre os dados que embasaram o decreto. As pastas têm até 30 dias para responder.
O PSOL seguiu ações semelhantes. Também protocolou um PDC na Câmara e discute se irá judicializar a questão.
— Mudança dessa magnitude, que induz e facilita o acesso às armas, deveria ser objeto de debate no Congresso. Fora que abre precedente perigoso à inclinação autoritária de Bolsonaro — disse o presidente do PSOL, Juliano Medeiros.
Assim como na Câmara, caso a oposição leve adiante o questionamento jurídico da medida, no STF a tendência é de dificuldade. Na última semana, o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que, em seu entendimento, a Constituição não impede alterações nas regras da posse de armas.
Aliado do governo e líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA) avalia que os questionamentos poderiam ter sido evitados. Para o deputado, se o presidente queria modificar a legislação com urgência, deveria ter utilizado outro instrumento.
– Tinha de ter mandado medida provisória, que seria discutida na Câmara. Mudar por decreto pode ser e será alvo de ataques com pedido para sustar as alterações.
Mudança dessa magnitude, que induz e facilita o acesso às armas, deveria ser objeto de debate no Congresso
JULIANO MEDEIROS
Presidente do PSOL
O que mudou
Até a última terça-feira, cabia a um delegado da Polícia Federal (PF) avaliar se o cidadão tinha ou não “efetiva necessidade” para solicitar a posse de uma arma. O decreto assinado por Jair Bolsonaro definiu especificamente que basta ser morador de qualquer área rural ou de área urbana em Estado com taxa de homicídios acima de 10 para cada 100 mil habitantes para preencher a condição, o que ocorre em todas as unidades da federação atualmente. Ou seja, qualquer cidadão que atenda aos pré-requisitos básicos já existentes na legislação anterior pode solicitar a posse de armamento.
Foram mantidas as seguintes exigências:
- Ter 25 anos ou mais
- Fazer curso de tiro para comprovar a capacidade técnica
- Ser aprovado em exame psicológico
- Não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo na área criminal
- Trabalhar em ocupação lícita e ter residência fixa
O decreto também fixou limite de até quatro unidades por cidadão, passível de ser ampliado em casos específicos, e aumentou de cinco para 10 anos o prazo para renovação das licenças.
Argumentos da oposição
- O PT quer que o decreto seja "sustado" com base no inciso V do artigo 49 da Constituição.
- O item diz que "é da competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".
- O partido alega que o decreto altera itens de lei existente, no caso, o Estatuto do Desarmamento, quando poderia apenas regulamentá-los.
- O Artigo 144 da Constituição também é citado. Nele, é definido que a segurança pública é "dever do Estado".
- No entendimento da sigla, a possibilidade de autodeclaração de cumprimento de regras por parte do interessado em comprar uma arma, como ter local seguro para guardá-la, tira do Estado o "controle efetivo" da segurança pública .