Belém Novo tem bordão entre seus moradores: "uma beleza de bairro". Situado às margens do Guaíba, encravado no extremo-sul de Porto Alegre e repleto de áreas verdes, o local passou da tranquilidade à tensão com o crescimento de assassinatos de um ano para outro.
Segundo dados da Polícia Civil, houve aumento de 62,5% no número de vítimas de assassinatos no bairro. Em 2017, oito foram mortas contra 13 neste ano — quatro delas em uma chacina na Vila Teletubbies. O número pode ser ainda maior, já que em algumas ocorrências não são especificados o bairro.
O último foi registrado em 16 de dezembro, quando os corpos de dois homens foram encontrados crivados de balas dentro de um carro na Avenida Beira-Rio. A dupla foi identificada como William Dumerque de Witt, 28 anos, e Luciano Palhano da Cruz, 35.
A maioria dos casos foi na Estrada Francisca de Oliveira Vieira, uma das principais vias de acesso ao bairro. Para os moradores, os crimes têm relação direta com o tráfico de drogas. Alguns entendem que a região se tornou ponto de desova: os assassinatos são cometidos em partes da zona sul e os cadáveres são deixados no bairro. Para a Polícia Civil, a situação está relacionada à guerra do tráfico, uma vez que duas facções disputam o controle da região.
O aumento da criminalidade preocupa moradores e comerciantes do Belém Novo. Quem caminha pelas ruas e avenidas do bairro fica atento a cada movimento suspeito. Na barbearia em frente à praça central, a principal reclamação é com a alta incidência de roubos a pedestres.
— Aqui no Belém, é roubo a toda hora. Hoje mesmo de manhã, a mulher de um cliente meu foi assaltada. Levaram a bolsa com tudo. Não tem mais horário — relata Valtoloni José Fernandes, 45 anos, que trabalha há uma década no local.
A poucos metros dali, uma idosa conversava com a amiga em uma parada de ônibus. Há dois meses, ela veio de São Paulo e foi viver no bairro. Sem querer se identificar, revelou que já incorporou em sua rotina as precauções ao caminhar pela região.
— Todo mundo me diz que aqui está perigoso, que devemos segurar a bolsa — conta.
Moradora baleada
Em 2017, um criminoso foi morto ao tentar assaltar uma joalheria na Rua Cecilio Monza. Um policial militar frustrou a ação, mas acabou baleado. Outros dois criminosos participaram do crime: um deles conseguiu fugir e outro foi preso. Uma comerciante de 62 anos, que também preferiu não se identificar por medo de represálias, estava próxima à joalheria quando escutou os tiros.
— Ouvi os disparos, seguidos de gritos. Achei que fosse na imobiliária (que fica no andar superior). Fui para a frente da joalheria e deparei com o assaltante morto. Morreu abraçado em muita joia — conta a idosa.
Para conter o crime, empresários da região têm investido em segurança privada. Em um posto de combustível, próximo à joalheria, vigias foram contratados. Em uma loja de roupas, distante duas quadras, o proprietário instalou grades de ferro na porta principal. Há dois anos, o estabelecimento foi arrombado e R$ 20 mil em roupas foram levados. Câmeras da loja ajudaram a localizar os três envolvidos, que acabaram presos.
Em uma rua paralela à Estrada Francisca de Oliveira Vieira, uma moradora de 25 anos foi baleada nas duas pernas em um tiroteio na lavagem de carros onde trabalhava, em 2015. Na ocasião, que acabou com uma morte, três homens chegaram a pé, por volta das 11h, e dispararam contra um homem que se encontrava no local. Com passagens por tráfico como menor infrator, um adolescente de 17 anos morreu com um tiro no tórax.
— A bala entrou na perna direita, atravessou e entrou na esquerda, onde ficou. Mas o cirurgião conseguiu retirar — conta a moradora.
Três anos depois, a jovem conta que ficou com sequelas na perna, não conseguindo se movimentar direito. Mas o pior, segundo ela, foi a sensação de impotência que o episódio deixou.
— Hoje caminho bem. Mas nunca esperava por isso que aconteceu. Barulhos parecidos com tiro me deixam com muito medo. Tu fica com medo de lugares e ruas escuras e sem ninguém também, o que antes não acontecia — lamenta.